Ano que vem em Kyoto
Escrever o que chega, falar o porvir. Talvez assim, imaginou, seria possível imaginar aquilo que é o mais impensável. Recebeu, em plena véspera de Natal, em e-mail confirmando a viagem que pode durar (quantos?) anos. Pensou então: tentando escrever o impensável, tornaria mais amigável uma experiência tão distante. Por que havia escolhido ir a tão longe? "Ano que vem em Kyoto". Frase esquisita, como se as palavras não se encaixassem. Viajar, mas não como ir a São Paulo, planejar um doutorado em Paris, tentar uma temporada em Nova Iorque, ver a exposição em Berlim, andar de bicicleta em Amsterdã ou ver a velha novidade de Londres. Não como isso, não como lera no jornal, escutara na internet ou imaginara ao ler o romance (Paul Auster voltou a freqüentar recentemente suas idéias). Nem mesmo como fazer uma visita curiosa e "interessada" à Índia, ver os monumentos da China, o mochilão na África: degustar, ao meu tão edificado e "de bom gosto" olhar, o sabor do outro que me apraz (o outro que eu consumo em qualquer discurso "atualizado", esclarecido, que me deixa ainda mais refinado, "interessante", "gente viajada"). Distante de fato: distante como morar fora de si. Sem o gesto acumulado no corpo (e na retina), sem a textura da imagem que aproxima, a pequena atmosfera européia (colonizada?) que envolve o pensamento desde muito tempo... "Ah, como é charmosa Lisboa, andar pelo Bairro Alto e ouvir um fado... Como passeei pelos bares de Madri, curti a noite intensa enquanto trabalhava de garçom no pub irlandês da Gran Via" - o charme, a noite, a atmosfera, reprisada nas inúmeras falas, nas inúmeras imagens que se proliferam por aí. E o pensamento? Sou francês, alemão, trágico, tropical, racional sem dúvida, trazido pela grande crítica global que me faz antes de mais nada sempre num a-partir-de. "Mas é foucaultiano ou deleuziano? Ah, sim, entendo... escutava Pink Floyd ou The Clash?" Mas do que se trata: "ano que vem em Kyoto"? O impensável, talvez, também se tratasse disso, uma pura e honestíssima diferença, aquela que se degusta com olhar estupefato de uma infinidade de possibilidades de existir que se descortinam diante de seus olhos. Assim, sem muita razão, tentou capturar aquilo que nunca esteve lá.
[E, ao final, talvez, tudo se trate de pura diferença. Quem sabe não é partindo dessa pequena suspeita que tivesse escolhido por tão longe?]
12.25.2008
12.22.2008
12.18.2008
Às vezes se está para a escrita, às vezes não se está. Ver um pouco e sentir um ventinho bom de outono tardio. Como já há muito sabido, palavras não esgotam nada, além de uma página e alguns pensamentos (será que pensar é suficiente pra algo?).
Mesmo assim, surrupiando qualquer possibilidade de dialética, persisto aqui pelas palavras naquilo que nelas não está. Talvez isso seja mais palavra do que qualquer outra coisa.
*
(será que é uma obsessão: escrever a escrita, o tempo inteiro?...)
Mesmo assim, surrupiando qualquer possibilidade de dialética, persisto aqui pelas palavras naquilo que nelas não está. Talvez isso seja mais palavra do que qualquer outra coisa.
*
(será que é uma obsessão: escrever a escrita, o tempo inteiro?...)
12.15.2008
12.04.2008
12.03.2008
Estar aqui e lá, impossibilidade.
Em mim e em todo o resto: ser quase tudo, fazendo o pouco que me cabe. Assim, como se pudesse controlar o passando de cada tempo, como se os dias fossem meus quartos.
Pensando que pensar é tudo de que se trata
- quase tudo -
esquece-se de que há sempre aquela brecha que sobra, entre coisa e coisa, entre eu e o resto todo. Aquele resquício de coisa nenhuma, imanência ou pura complacência do mundo. Não complacência por ser complacente, mas por não ser e ponto. O mundo sendo aquilo que tudo que não é - porque não é falável, nem avistável.
Talvez seja isso. Passar das horas, degustar as palavras e invisibilidades instantâneas - porque efêmeras. Fotografia, cinema, poesia e amizade. Assim, sem mais porque sempre menos. Sempre quase lá.
Em mim e em todo o resto: ser quase tudo, fazendo o pouco que me cabe. Assim, como se pudesse controlar o passando de cada tempo, como se os dias fossem meus quartos.
Pensando que pensar é tudo de que se trata
- quase tudo -
esquece-se de que há sempre aquela brecha que sobra, entre coisa e coisa, entre eu e o resto todo. Aquele resquício de coisa nenhuma, imanência ou pura complacência do mundo. Não complacência por ser complacente, mas por não ser e ponto. O mundo sendo aquilo que tudo que não é - porque não é falável, nem avistável.
Talvez seja isso. Passar das horas, degustar as palavras e invisibilidades instantâneas - porque efêmeras. Fotografia, cinema, poesia e amizade. Assim, sem mais porque sempre menos. Sempre quase lá.
12.01.2008
Palmas!
Atentando aos movimentos dos dias, às temporalidades dos espaços, e às mil bifurcações possíveis, eis que volta a escrever um amigo.
À maneira de respirar - não de organizar os pensamentos, mas torná-los algo palpável, tranformá-los em coisa, nem que sejam sons, ruídos, rabiscos - escrever pode ser necessário. Assim, sem a necessidade de embelezar, mas sim para deixar denso, transformar numa intensidade: não dizer o que há para ser dito, escrever como se fosse um momento antes de dizer, alguns diriam pensamento em estado puro, ou pode ser, quem sabe, linguagem sem a necessidade do mundo como referente (forçosamente, a lógica tem que ser interrompida).
"O prazer do texto não é necessariamente do tipo triunfante, heróico, musculoso. Não tem necessidade de se arquear. Meu prazer pode muito bem assumir a forma de uma deriva. A deriva advém toda vez que eu não respeito o todo, à força de parecer arrastado aqui e ali ao sabor das ilusões, seduções e intimidações da linguagem, qual uma rolha sobre as ondas, permaneço imóvel, girando em torna da fruição intratável que me liga ao texto (ao mundo)" (Barthes, R. "O Prazer do Texto")
Sendo assim, desrespeitoso, não no esforço hercúleo do sentido, do conclusivo e do opinativo. Os textos bons (também esses textos amigos) são assim - tanto como texto quanto como mundo - fruição intratável.
Texto sem sujeito, mas texto-mundo, que pode passar longe da referência de um "ponto de vista".
Atentando aos movimentos dos dias, às temporalidades dos espaços, e às mil bifurcações possíveis, eis que volta a escrever um amigo.
À maneira de respirar - não de organizar os pensamentos, mas torná-los algo palpável, tranformá-los em coisa, nem que sejam sons, ruídos, rabiscos - escrever pode ser necessário. Assim, sem a necessidade de embelezar, mas sim para deixar denso, transformar numa intensidade: não dizer o que há para ser dito, escrever como se fosse um momento antes de dizer, alguns diriam pensamento em estado puro, ou pode ser, quem sabe, linguagem sem a necessidade do mundo como referente (forçosamente, a lógica tem que ser interrompida).
"O prazer do texto não é necessariamente do tipo triunfante, heróico, musculoso. Não tem necessidade de se arquear. Meu prazer pode muito bem assumir a forma de uma deriva. A deriva advém toda vez que eu não respeito o todo, à força de parecer arrastado aqui e ali ao sabor das ilusões, seduções e intimidações da linguagem, qual uma rolha sobre as ondas, permaneço imóvel, girando em torna da fruição intratável que me liga ao texto (ao mundo)" (Barthes, R. "O Prazer do Texto")
Sendo assim, desrespeitoso, não no esforço hercúleo do sentido, do conclusivo e do opinativo. Os textos bons (também esses textos amigos) são assim - tanto como texto quanto como mundo - fruição intratável.
Texto sem sujeito, mas texto-mundo, que pode passar longe da referência de um "ponto de vista".
11.24.2008
11.21.2008
Um pedaço de papel, com algumas letras impressas. Nenhum palavra completa. Assim, sem mais nem menos, umas três ou quatro pequenas manchas de tinta, algum mofo e um rabisco de lápis velho. Como se não fosse nada. De dentro de sua inexpressividade apática, sorriu-me um cheiro bom, cheiro de coisa antiga, de prateleira empoeirada, profunda. Cheiro do fundo de prateleira, com livros e livros amontoados. Livros nunca abertos.
O vento bateu e fez voar esse pedaço de papel. Bateu no meu olho, pousou bem em cima do "w" no teclado do computador. Um pedaço de tempo sem tempo, tempo puro, em forma de cor amarelada, esfarelando anos e anos entre os meus dedos. Não pela palavra, mas pela própria coisa de ser papel, com letras esmaecidas, de ter sido livro, livro na prateleira, lido ou não lido, mas um dia pensado, escrito, reescrito, revisado. Um dia criação, trabalho e alguma dor de cabeça. Agora, pedaço de papel, que voa com o vento e cai em cima do meu trabalho.
Um instante de coisa pura. Sem verbo nem pensamento. Cheiro amarelo, vento manchado com tinta desbotada. Pedaço que já é inteiro.
(escrever escrever escrever... atividade absorta, mas bem prazerosa. Algum quê de diálogo em silêncio, passar a falar com as coisas e perceber nelas a sua total independência em relação a mim)
O vento bateu e fez voar esse pedaço de papel. Bateu no meu olho, pousou bem em cima do "w" no teclado do computador. Um pedaço de tempo sem tempo, tempo puro, em forma de cor amarelada, esfarelando anos e anos entre os meus dedos. Não pela palavra, mas pela própria coisa de ser papel, com letras esmaecidas, de ter sido livro, livro na prateleira, lido ou não lido, mas um dia pensado, escrito, reescrito, revisado. Um dia criação, trabalho e alguma dor de cabeça. Agora, pedaço de papel, que voa com o vento e cai em cima do meu trabalho.
Um instante de coisa pura. Sem verbo nem pensamento. Cheiro amarelo, vento manchado com tinta desbotada. Pedaço que já é inteiro.
(escrever escrever escrever... atividade absorta, mas bem prazerosa. Algum quê de diálogo em silêncio, passar a falar com as coisas e perceber nelas a sua total independência em relação a mim)
11.19.2008
11.18.2008
10.21.2008
O pedaço da imagem, um detalhe em silêncio.
A partir de um retalho, desfeito do seu resto, assim, sem muito mais.
Uns rostos pequenos, destroçados pela palavra, andando em círculos em um tempo estagnado.
Traçam o abismo da transitoriedade, perguntam a mim, "como?".
Esquecer para sempre virtualizar em gesto.
A partir de um retalho, desfeito do seu resto, assim, sem muito mais.
Uns rostos pequenos, destroçados pela palavra, andando em círculos em um tempo estagnado.
Traçam o abismo da transitoriedade, perguntam a mim, "como?".
Esquecer para sempre virtualizar em gesto.
10.02.2008
não mais falar disso ou daquilo. talvez não mais a palavra que se acerca de uma coisa. a palavra-sintoma ou a palavra-metade, incompletude.
olhar o dia azul que me instiga a escrever, não é para escrevê-lo (muito menos descrevê-lo). não para me referir ao azul do dia, tornando esse azul uma idéia vaga atrás das letras, tentando ser entrevisto por entre as frases. nem para tornar as palavras uma tentativa nula de copiar o azul tão azul do céu que me moveu a escrevê-las.
talvez para ser o próprio azul. não sê-lo na sua característica de céu azul, mas sê-lo na sua característica de palavra azul. assim, respirando as palavras [não digitando-as, nem escrevendo-as], ser palavra-azul, céu-palavra, e uma coisa outra que me foge, porque ainda tento aqui descrevê-la.
***
Fico assim, tentando apontar pra porta de saída de uma poesia relaxada e fugidia.
Porque assim se é sem ser. Sendo, dessa forma, tudo mais céu, necessariamente.
olhar o dia azul que me instiga a escrever, não é para escrevê-lo (muito menos descrevê-lo). não para me referir ao azul do dia, tornando esse azul uma idéia vaga atrás das letras, tentando ser entrevisto por entre as frases. nem para tornar as palavras uma tentativa nula de copiar o azul tão azul do céu que me moveu a escrevê-las.
talvez para ser o próprio azul. não sê-lo na sua característica de céu azul, mas sê-lo na sua característica de palavra azul. assim, respirando as palavras [não digitando-as, nem escrevendo-as], ser palavra-azul, céu-palavra, e uma coisa outra que me foge, porque ainda tento aqui descrevê-la.
***
Fico assim, tentando apontar pra porta de saída de uma poesia relaxada e fugidia.
Porque assim se é sem ser. Sendo, dessa forma, tudo mais céu, necessariamente.
9.15.2008
Vôo
não como os outros
Saudades lá de casa
espalhada pela(s) cidade(s)
[as duas]
Vôo sobre a Baía
escuto pelo telefone
a paisagem
*****
Na foto, escuto cada timbre de cada voz. As terminações de frases, entonações. Beira da praia, sol na cabeça. Uma imaginação torpe: como se sobre o mar, no caminho de areia, uma porção do mundo que inventaríamos estivesse apenas esperando a nossa inspiração. Hoje, um pouco de calmaria, agora tornada silêncio. Ainda torpes, algumas palavras, imprensadas entre sorrisos estonteantes, respirações pesadas, exuberâncias e ainda a inspiração - essa agora uma regra básica. No ar, como um corte no espaço, uma rachadura e muita profundidade - profundidade de vácuo, de pedra úmida e escorregadia, cheiro de mato e barulho de trem. Esta rachadura, ela também, imprensada. A alegria ocupando aos poucos todas as brechas: não sabemos dizer se é vazio de pensamentos ou um redemoinho de muitos sobrepostos uns aos outros. Olhamos ao lado, comemos, rimos e gritamos. Debaixo do chuveiro, sozinho, volto aos poucos ao tecido fino do cotidiano.
Habito a brecha. Se a vejo, talvez esteja ela em mim. A pedra úmida, lapidada com tanto cuidado, perdeu aos poucos o espaço para o espetáculo da alegria. Pois bem, continuamos aqui, não rimos, mas entrevemos as brechas, espalhadas pelos espaços, jogadas ao ar e pisadas pelos passos da dança alegre no meio da pista. Catamos, uma a uma: em algum momento, elas se refazem a dão um telefonema, ou mandam um e-mail.
não como os outros
Saudades lá de casa
espalhada pela(s) cidade(s)
[as duas]
Vôo sobre a Baía
escuto pelo telefone
a paisagem
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Na foto, escuto cada timbre de cada voz. As terminações de frases, entonações. Beira da praia, sol na cabeça. Uma imaginação torpe: como se sobre o mar, no caminho de areia, uma porção do mundo que inventaríamos estivesse apenas esperando a nossa inspiração. Hoje, um pouco de calmaria, agora tornada silêncio. Ainda torpes, algumas palavras, imprensadas entre sorrisos estonteantes, respirações pesadas, exuberâncias e ainda a inspiração - essa agora uma regra básica. No ar, como um corte no espaço, uma rachadura e muita profundidade - profundidade de vácuo, de pedra úmida e escorregadia, cheiro de mato e barulho de trem. Esta rachadura, ela também, imprensada. A alegria ocupando aos poucos todas as brechas: não sabemos dizer se é vazio de pensamentos ou um redemoinho de muitos sobrepostos uns aos outros. Olhamos ao lado, comemos, rimos e gritamos. Debaixo do chuveiro, sozinho, volto aos poucos ao tecido fino do cotidiano.
Habito a brecha. Se a vejo, talvez esteja ela em mim. A pedra úmida, lapidada com tanto cuidado, perdeu aos poucos o espaço para o espetáculo da alegria. Pois bem, continuamos aqui, não rimos, mas entrevemos as brechas, espalhadas pelos espaços, jogadas ao ar e pisadas pelos passos da dança alegre no meio da pista. Catamos, uma a uma: em algum momento, elas se refazem a dão um telefonema, ou mandam um e-mail.
8.26.2008
8.01.2008
Ficar e trabalhar em casa porporciona estímulos muito diversos: sono, curiosidade (ler coisas, internet e buscas inúteis sem fim), vontade de escrever e percepção aguçada das variações climáticas. Quase tudo isso de dentro do quarto. De vez em quando, um certo ímpeto a somente pensar: e ficar assim, pensando, sem muito objetivo. Então fico tentando pescar alguma coisa de invisível por detrás das coisas. Mas isso é o ápice da inutilidade. Quando chego a esse estágio, troco de roupa, coloco um chinelo (a variação climática dos últimos dias me permite o agradável hábito carioca do chinelo), e saio para dar uma volta.
Procuro um café perfeito: poucas pessoas, alguma luz do sol, alguma sombra, nada de movimentação consumista excessiva na minha frente, boas opções (sucos, cafés, capuccinos e refrigerantes já bastam), mesas amplas, cadeiras confortáveis, um cinzeiro prontamente entregue por um garçom solícito. Precisa também ser algo fora do habitual (só quem trabalha em casa talvez saiba como ir ao mesmo lugar pode se tornar quase uma sina), ao mesmo tempo nem tão distante do meu hábito assim (por exemplo, não posso ter um grande deslocamento: ainda se trata de um passeio rápido, frugal e descompromissado). Com todas essas considerações, definitivamente o passeio não consegue ser um relaxamento tão intenso quanto imagino.
Retorno pra casa depois de um café, um guaraná, dois cigarrinhos, e me deparo com o computador. Minha flanêurie virtual sempre precede a escrita. Invariavelmente, no entanto, retorno também às mesmas páginas, sem muita coragem de ousar. Fico frustrado, porque, incrivelmente, de um dia para o outro, nem tanta coisa mudou no mundo virtual (digo: páginas de fotos, vídeos e coisas literárias). Hoje, no entanto, retornei a um lugar que via com certa cautela há dois anos (intocado há todo esse tempo) e parei, espontaneamente, para ler as palavras e escutar suas vozes. Aquelas palavras e a sua grande estrutura de melancolia (das palavras escritas e de toda a conjuntura daquela escrita, tão caótica quanto límpida) foram, pela primeira vez, sinônimos de proximidade e um falar muito sincero de tão compulsivo. Estabeleci uma relação de escuta aberta lendo aqueles textos, como uma experiência temporal subversiva, consegui entender muita coisa e lamentar mais ainda outras.
Olhei pro sol de novo e cá estava eu a, mais uma vez, buscar o invisível por detrás das coisas. Sem inutilidade no entanto (essa palavra que existe por conta unicamente da culpa contida em cada um de nós), deleitei-me com o céu em tom pastel, o ar fresco, e aquelas palavras que conduzem para o abismo da literatura que não se pode repetir, nem se recuperar. Fiquei parado diante do que já ali estava, agora voltando a compreender que nem tudo precisa ser comunicável, às vezes, basta existir (ou ter existido) que já está valendo.
Procuro um café perfeito: poucas pessoas, alguma luz do sol, alguma sombra, nada de movimentação consumista excessiva na minha frente, boas opções (sucos, cafés, capuccinos e refrigerantes já bastam), mesas amplas, cadeiras confortáveis, um cinzeiro prontamente entregue por um garçom solícito. Precisa também ser algo fora do habitual (só quem trabalha em casa talvez saiba como ir ao mesmo lugar pode se tornar quase uma sina), ao mesmo tempo nem tão distante do meu hábito assim (por exemplo, não posso ter um grande deslocamento: ainda se trata de um passeio rápido, frugal e descompromissado). Com todas essas considerações, definitivamente o passeio não consegue ser um relaxamento tão intenso quanto imagino.
Retorno pra casa depois de um café, um guaraná, dois cigarrinhos, e me deparo com o computador. Minha flanêurie virtual sempre precede a escrita. Invariavelmente, no entanto, retorno também às mesmas páginas, sem muita coragem de ousar. Fico frustrado, porque, incrivelmente, de um dia para o outro, nem tanta coisa mudou no mundo virtual (digo: páginas de fotos, vídeos e coisas literárias). Hoje, no entanto, retornei a um lugar que via com certa cautela há dois anos (intocado há todo esse tempo) e parei, espontaneamente, para ler as palavras e escutar suas vozes. Aquelas palavras e a sua grande estrutura de melancolia (das palavras escritas e de toda a conjuntura daquela escrita, tão caótica quanto límpida) foram, pela primeira vez, sinônimos de proximidade e um falar muito sincero de tão compulsivo. Estabeleci uma relação de escuta aberta lendo aqueles textos, como uma experiência temporal subversiva, consegui entender muita coisa e lamentar mais ainda outras.
Olhei pro sol de novo e cá estava eu a, mais uma vez, buscar o invisível por detrás das coisas. Sem inutilidade no entanto (essa palavra que existe por conta unicamente da culpa contida em cada um de nós), deleitei-me com o céu em tom pastel, o ar fresco, e aquelas palavras que conduzem para o abismo da literatura que não se pode repetir, nem se recuperar. Fiquei parado diante do que já ali estava, agora voltando a compreender que nem tudo precisa ser comunicável, às vezes, basta existir (ou ter existido) que já está valendo.
7.29.2008
Tempo tempo
tanto tempo
lambendo as quinas das mesas
sorvendo as gotas nos copos
rasgando aos roupas esticadas no varal
tanto tempo
abraça meu corpo engole quase tudo
me perco
brincando de esquecer o seu domínio.
Deleitado, exibe o rosto retorcido
sorrisos estridentes mostrando aqueles dentes amarelos
corroídos
constrói seu edifício
inteiro
sobre minha ingenuidade acalentada com destreza.
Austero é ele que me impregna de tristeza
gabando-se da sua suprema existência:
"Sou poesia, intesidade e profunda beleza"
Esgotando noites a fio
desfilando meu próprio desespero
escancara meus espaços recônditos
escondidos
percebe o apagado
recoloca em mim o trágico que enterrei há muito tempo
debaixo do meu travesseiro.
Hoje engoliu meus pensamentos.
Digere pouco a pouco
enquanto suspira balançando as folhas das árvores
que vejo da minha janela.
tanto tempo
lambendo as quinas das mesas
sorvendo as gotas nos copos
rasgando aos roupas esticadas no varal
tanto tempo
abraça meu corpo engole quase tudo
me perco
brincando de esquecer o seu domínio.
Deleitado, exibe o rosto retorcido
sorrisos estridentes mostrando aqueles dentes amarelos
corroídos
constrói seu edifício
inteiro
sobre minha ingenuidade acalentada com destreza.
Austero é ele que me impregna de tristeza
gabando-se da sua suprema existência:
"Sou poesia, intesidade e profunda beleza"
Esgotando noites a fio
desfilando meu próprio desespero
escancara meus espaços recônditos
escondidos
percebe o apagado
recoloca em mim o trágico que enterrei há muito tempo
debaixo do meu travesseiro.
Hoje engoliu meus pensamentos.
Digere pouco a pouco
enquanto suspira balançando as folhas das árvores
que vejo da minha janela.
7.03.2008
"Como escrever senão sobre aquilo que não se sabe ou que se sabe mal? É necessariamente neste ponto que imaginamos ter algo a dizer. Só escrevemos na extremidade de nosso próprio saber, nesta ponta extrema que separa nosso saber e nossa ignorância e que transforma um no outro.
[...]
Suprir a ignorância é transferir a escrita para depois, ou melhor, torná-la impossível"
(DELEUZE, em Diferença e Repetição, num dos prólogos mais bonitos de se ler)
Deixo então a pergunta que me faz desesperar e acalmar, em tempos distintos e, muitas vezes, ao mesmo tempo:
Qual o tamanho do erro dos experts, talentosos e prodigiosos?
Escolher o lado da ignorância é mais prudente (e mais potente), mas talvez também mais solitário (e um interlocutor não deixa de ser o que possibilita o meu falar).
[...]
Suprir a ignorância é transferir a escrita para depois, ou melhor, torná-la impossível"
(DELEUZE, em Diferença e Repetição, num dos prólogos mais bonitos de se ler)
Deixo então a pergunta que me faz desesperar e acalmar, em tempos distintos e, muitas vezes, ao mesmo tempo:
Qual o tamanho do erro dos experts, talentosos e prodigiosos?
Escolher o lado da ignorância é mais prudente (e mais potente), mas talvez também mais solitário (e um interlocutor não deixa de ser o que possibilita o meu falar).
6.09.2008
Ainda regurgitando as ações do tempo, encontrei isso solto pela internet.
Bruno Fiuza escreveu há alguns anos atrás. Ainda que no melancólico tom juvenil, o texto veio ao encontro de uma recente questão que me tem açoitado a fraca (e desacreditada) consciência: "para quê fazer a coisa certa?"; que, logo, traz imbutida a percepção de que, enfim (o óbvio dos óbvios), não há o certo. Tomar como baliza a própria "coerência" para alcançar essa virtude (a das melhores escolhas) é tentar acreditar que não há a menor possibilidade de mudança. De tudo, ficam algumas perguntas:
(1) em que momento deixamos de perceber a nós mesmos?
(2) isso é algo que amplia (deixamos o tempo se instaurar e quebrar as auto-impostas normas do 'eu' unívoco: não há o que se descobrir), ou que apequena (descolo-me de minhas vontades, pois elas não são possíveis)?
(3) em estreita relação com a pergunta acima, Bruno, por que você parou de escrever? Lendo o seu blog, pude reafirmar a minha velha opinião de que você nunca devia parar de fazê-lo.
*****
Agora, o texto em si:
"Sábado, Janeiro 29, 2005
Carta aberta a André Keiji Kunigami
(para ler ouvindo a quarta faixa do OK Computer ou a última do The Bends)
Keiji,
descobri a máquina de fabricar cínicos. Procurávamos por isso há muito tempo, mas não o sabíamos ainda. Portanto, esta carta serve para comunicar uma dupla descoberta.
Vamos reconstruir o caminho percorrido: aos dezessete anos precisávamos passar no vestibular; não sabíamos por que, mas precisávamos. Hoje em dia é fácil responder: para conseguir um emprego, não porque queremos um emprego, mas porque queremos dinheiro. Mas dizer que o dinheiro move o mundo não é novidade nenhuma.
Conseguimos nossos primeiros empregos, e não precisamos de muito tempo para perceber que de pouco servia nosso aprendizado de faculdade. Nos sentíamos grandes merdas podendo dizer que passamos para a UFRJ, a UFF e a Uerj; até hoje não nos recuperamos do trauma.
Que trâmite estranho esse que nos obriga a frequentar um lugar que pouco ensina, mas que é o único passaporte para outro lugar onde, talvez, você consiga aprender alguma coisa. Mas mesmo esse "aprender alguma coisa" depende da boa vontade alheia. A gente se pergunta: "Caralho, eu li Kafka pra ficar fazendo coisas que até um macaco poderia fazer?". Mas essa é a pergunta errada. Na verdade, não deveria haver pergunta, apenas resposta. "Eu leio Kafka porque passo o dia fazendo coisas que até um macado poderia fazer."
Enquanto isso, as coisas vão sendo tocadas à nossa volta, por pessoas que pararam de se perguntar e se responder. O importante é cumprir o prazo.
Nem todos nasceram com genialidade, Keiji.
Podemos culpar a atriz irritante que repete o mesmo bordão no mesmo esquete humorístico(sic) dos sábados à noite na televisão? Afinal, ela está lá porque alguém quis, e ainda quer. É obrigação dela perceber a própria infelicidade e pedir as contas? Acho que a própria infelicidade a gente percebe mesmo sem querer, mas pedir as contas...
Ainda vamos aprender (e eu digo um aprender inevitável; um impulso em direção à sobrevivência) que estamos aqui pelo dinheiro.
Citando o próprio Spike Lee: "foda-se o que o Spike Lee diz". Saberemos que chegou o nosso dia quando experimentarmos pela última vez a sensação de que é errado fazer a coisa certa.
Faça a coisa errada, Keiji.
Abraço,
Bruno "
Bruno Fiuza escreveu há alguns anos atrás. Ainda que no melancólico tom juvenil, o texto veio ao encontro de uma recente questão que me tem açoitado a fraca (e desacreditada) consciência: "para quê fazer a coisa certa?"; que, logo, traz imbutida a percepção de que, enfim (o óbvio dos óbvios), não há o certo. Tomar como baliza a própria "coerência" para alcançar essa virtude (a das melhores escolhas) é tentar acreditar que não há a menor possibilidade de mudança. De tudo, ficam algumas perguntas:
(1) em que momento deixamos de perceber a nós mesmos?
(2) isso é algo que amplia (deixamos o tempo se instaurar e quebrar as auto-impostas normas do 'eu' unívoco: não há o que se descobrir), ou que apequena (descolo-me de minhas vontades, pois elas não são possíveis)?
(3) em estreita relação com a pergunta acima, Bruno, por que você parou de escrever? Lendo o seu blog, pude reafirmar a minha velha opinião de que você nunca devia parar de fazê-lo.
*****
Agora, o texto em si:
"Sábado, Janeiro 29, 2005
Carta aberta a André Keiji Kunigami
(para ler ouvindo a quarta faixa do OK Computer ou a última do The Bends)
Keiji,
descobri a máquina de fabricar cínicos. Procurávamos por isso há muito tempo, mas não o sabíamos ainda. Portanto, esta carta serve para comunicar uma dupla descoberta.
Vamos reconstruir o caminho percorrido: aos dezessete anos precisávamos passar no vestibular; não sabíamos por que, mas precisávamos. Hoje em dia é fácil responder: para conseguir um emprego, não porque queremos um emprego, mas porque queremos dinheiro. Mas dizer que o dinheiro move o mundo não é novidade nenhuma.
Conseguimos nossos primeiros empregos, e não precisamos de muito tempo para perceber que de pouco servia nosso aprendizado de faculdade. Nos sentíamos grandes merdas podendo dizer que passamos para a UFRJ, a UFF e a Uerj; até hoje não nos recuperamos do trauma.
Que trâmite estranho esse que nos obriga a frequentar um lugar que pouco ensina, mas que é o único passaporte para outro lugar onde, talvez, você consiga aprender alguma coisa. Mas mesmo esse "aprender alguma coisa" depende da boa vontade alheia. A gente se pergunta: "Caralho, eu li Kafka pra ficar fazendo coisas que até um macaco poderia fazer?". Mas essa é a pergunta errada. Na verdade, não deveria haver pergunta, apenas resposta. "Eu leio Kafka porque passo o dia fazendo coisas que até um macado poderia fazer."
Enquanto isso, as coisas vão sendo tocadas à nossa volta, por pessoas que pararam de se perguntar e se responder. O importante é cumprir o prazo.
Nem todos nasceram com genialidade, Keiji.
Podemos culpar a atriz irritante que repete o mesmo bordão no mesmo esquete humorístico(sic) dos sábados à noite na televisão? Afinal, ela está lá porque alguém quis, e ainda quer. É obrigação dela perceber a própria infelicidade e pedir as contas? Acho que a própria infelicidade a gente percebe mesmo sem querer, mas pedir as contas...
Ainda vamos aprender (e eu digo um aprender inevitável; um impulso em direção à sobrevivência) que estamos aqui pelo dinheiro.
Citando o próprio Spike Lee: "foda-se o que o Spike Lee diz". Saberemos que chegou o nosso dia quando experimentarmos pela última vez a sensação de que é errado fazer a coisa certa.
Faça a coisa errada, Keiji.
Abraço,
Bruno "
6.08.2008
Qual é o movimento oculto que se passa nas coisas? Entre ontem e hoje, tudo mudou. Só os meus olhos não perceberam.
Papo de botequim, cerveja na frente, 24 anos e (agora) já alguns dias... o movimento talvez seja tão premente que, já me colocando em outro eixo de olhar, não permite a sua percepção. Não há o movimento, mas sim um deslocamento inteiro para uma outra coisa. Sem que se deixe de ser nada, porque talvez realmente nunca tenhamos sido. Esquecer e tornar-se parte, talvez.
Claro, que não a diferença de ontem para hoje, mas numa potência infinitesimal. Nunca chegar sempre se indo.
Papo de botequim, cerveja na frente, 24 anos e (agora) já alguns dias... o movimento talvez seja tão premente que, já me colocando em outro eixo de olhar, não permite a sua percepção. Não há o movimento, mas sim um deslocamento inteiro para uma outra coisa. Sem que se deixe de ser nada, porque talvez realmente nunca tenhamos sido. Esquecer e tornar-se parte, talvez.
Claro, que não a diferença de ontem para hoje, mas numa potência infinitesimal. Nunca chegar sempre se indo.
Espero aqui, sentado, balançando as pernas, o tempo se pronunciar. Ele nunca diz nada, mas deixa suas pistas delicadamente, utilizando-se de si mesmo para enganar-nos.
Malandro de outrora, no entanto, ele já não consegue me enganar tanto assim. Foco minha vista já cansada da espera e, juntando-me à sua eterna brincadeira de esconde-esconde, instalo-me no seu trabalho e, no esforço de imaginar a sensação do invisível, consigo degustar cada aceno que me dá. Conseguimos então, assim, selar a amizade que, ao mesmo tempo, provoca o escárnio e o imenso respeito que cultivo.
Malandro de outrora, no entanto, ele já não consegue me enganar tanto assim. Foco minha vista já cansada da espera e, juntando-me à sua eterna brincadeira de esconde-esconde, instalo-me no seu trabalho e, no esforço de imaginar a sensação do invisível, consigo degustar cada aceno que me dá. Conseguimos então, assim, selar a amizade que, ao mesmo tempo, provoca o escárnio e o imenso respeito que cultivo.
5.27.2008
Perceber pouco a pouco a pequena fuligem que se deposita aqui, em cima do meu corpo. Sumir um tanto dentro dela, ir cavando o meu solo confortável, de onde olho e encontro as pessoas. Um casulo aberto e transparente, onde sopra vento e respiração de quem quiser adentrar. Ali, podendo observar os segundos, consegui parar o tempo, esquecer o ruído do relógio, habitando assim uma outra forma, um novo modo.
***
Ir a São Paulo, ao bairro da Liberdade, é sempre um tanto conflituoso. Encravado no meio daquela cidade enorme está aquele lugar que me coloca dentro da minha própria casa. Não essa em que eu moro, mas uma casa abarrotada de pessoas, cheiro de remédio e alga amassada. Meu avô comendo de palitinho fazendo muito barulho ao sorver o caldo, tocando o sino budista de manhã. Aroma de incenso queimando e barulho de idiomas misturados. Em São Paulo me deparo com uma casa que não é só minha, mas é pública, compartilhada. Não domino, existo apenas. No meio dos gritos e correria, a calma do olhar é sempre o que desfaz a má impressão.
***
Ir a São Paulo, ao bairro da Liberdade, é sempre um tanto conflituoso. Encravado no meio daquela cidade enorme está aquele lugar que me coloca dentro da minha própria casa. Não essa em que eu moro, mas uma casa abarrotada de pessoas, cheiro de remédio e alga amassada. Meu avô comendo de palitinho fazendo muito barulho ao sorver o caldo, tocando o sino budista de manhã. Aroma de incenso queimando e barulho de idiomas misturados. Em São Paulo me deparo com uma casa que não é só minha, mas é pública, compartilhada. Não domino, existo apenas. No meio dos gritos e correria, a calma do olhar é sempre o que desfaz a má impressão.
5.06.2008
Hoje a praia estava tão grande, grande como há onze anos atrás. Num espaço - coqueiros, céu azul escuro, ondas ao fundo e algumas pessoas caminhando, com pressa e com medo - uma linha (quebradiça) de acontecimentos fortuitos. Mas não os acontecimentos acontecidos, mas os existidos de alguma forma.
Por que os coqueiros impregnaram tão fortemente a imagem? Por conta do céu escuro que os escorava, num frescor de frente fria carioca, emulando alguns invernos mal-sucedidos, idas a restaurantes, livros em livrarias pequenas e abarrotadas, coca-cola com amigos, euforia de outrora. Dentro de uma inclinação à calmaria, impressionante como a mais calma das imagens pode ter como efeito o seu contrário. Ou talvez, a sua própria condição de existência.
***
Esquecer é, sem dúvida, das melhores formas de sempre se lembrar.
Não um retorno, mas uma sempre-ida que acaba transformando algo desde-sempre-igual em algo-a-todo-segundo-diferente.
Por que os coqueiros impregnaram tão fortemente a imagem? Por conta do céu escuro que os escorava, num frescor de frente fria carioca, emulando alguns invernos mal-sucedidos, idas a restaurantes, livros em livrarias pequenas e abarrotadas, coca-cola com amigos, euforia de outrora. Dentro de uma inclinação à calmaria, impressionante como a mais calma das imagens pode ter como efeito o seu contrário. Ou talvez, a sua própria condição de existência.
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Esquecer é, sem dúvida, das melhores formas de sempre se lembrar.
Não um retorno, mas uma sempre-ida que acaba transformando algo desde-sempre-igual em algo-a-todo-segundo-diferente.
De uma forma ou de outra, estar com tantas pessoas o fez imaginar-se só. A abundância parecia-lhe excessiva e, respirando fundo, conseguia encontrar uma certa tranqüilidade na pura ausência. Não um turbilhão, mas um zunido bem enfraquecido, translúcido, amarelado e levemente refrescante. O pisar de um pé após o outro - não o verbo, nem a ação, mas algo que fica entre as duas coisas - era-lhe inspirador a ponto de conseguir alcançar uma certa instância de vazio.
Nem dizer e nem ouvir, sem egocentrismo, mas uma tentativa de só ver, o tempo todo. Não ver o espetáculo, nem o mais escondido, mas ver ali, no meio, o que mais parece óbvio: nem poesia, nem informação, uma certa latência constantemente ignorada.
Nem dizer e nem ouvir, sem egocentrismo, mas uma tentativa de só ver, o tempo todo. Não ver o espetáculo, nem o mais escondido, mas ver ali, no meio, o que mais parece óbvio: nem poesia, nem informação, uma certa latência constantemente ignorada.
4.14.2008
3.23.2008
Do meu quarto, a tela branca tornou-se o tempo. Turvo turvo.
Assim, hoje, andei por todas as possibilidades que já se apresentaram, nos últimos cinco anos em que aqui existi em palavras, imagens e frases. Cinco anos! Faz muito tempo. São tudo o que fui, o que acreditei ser, o que poderia ter sido e que vislumbrei pra mim naquele instante. Inúmeros caminhos que se descortinavam na minha frente: meu espelho que eu recortava como brincando de colagem com os colegas no jardim de infância. Cinco anos de imaginação pura, em prol de algum futuro que, hoje, percebo: ilumina-se à luz que entra da minha janela, e, com os mesmos olhos, percebo mais a calma do que fluxo.
Tento evitar a narrativa, fico com as sensações. É impressionante como somos levados pela possibilidade de uma história. Resisto, mas ainda me move - de forma quase inacreditável - a poética possível em tudo que já foi pensado e sentido. A ingenuidade de quatro anos atrás ainda reside, apagada e reprimida, mas com um desejo intenso de ação.
A potência do passado é tão sutil, aloja-se nos menores espaços, e toma o fôlego todo. Uma memória que não tem tamanho, traz-me meu corpo e meu ar de todos os tempos vividos. Chego a projetar-me um passado futuro e, com essa ínfima fresta de pensamento, sentir.
Assim, hoje, andei por todas as possibilidades que já se apresentaram, nos últimos cinco anos em que aqui existi em palavras, imagens e frases. Cinco anos! Faz muito tempo. São tudo o que fui, o que acreditei ser, o que poderia ter sido e que vislumbrei pra mim naquele instante. Inúmeros caminhos que se descortinavam na minha frente: meu espelho que eu recortava como brincando de colagem com os colegas no jardim de infância. Cinco anos de imaginação pura, em prol de algum futuro que, hoje, percebo: ilumina-se à luz que entra da minha janela, e, com os mesmos olhos, percebo mais a calma do que fluxo.
Tento evitar a narrativa, fico com as sensações. É impressionante como somos levados pela possibilidade de uma história. Resisto, mas ainda me move - de forma quase inacreditável - a poética possível em tudo que já foi pensado e sentido. A ingenuidade de quatro anos atrás ainda reside, apagada e reprimida, mas com um desejo intenso de ação.
A potência do passado é tão sutil, aloja-se nos menores espaços, e toma o fôlego todo. Uma memória que não tem tamanho, traz-me meu corpo e meu ar de todos os tempos vividos. Chego a projetar-me um passado futuro e, com essa ínfima fresta de pensamento, sentir.
3.07.2008
Sob a superfície incauta
Pensando em coisas tão indistintas quanto variadas, andando por entre os riscos do sol agradável que fazia então, ele parou e percebeu a conversa em que estava inserido. Não mais do que dois ou três segundos demorou para saber de cor todas as tonalidades de sua pele e o jeito em que moviam os músculos do rosto dela, enquanto falava animadamente. Em uma relação não muito clara, ao ver sua boca se mover e os olhos abrirem e fecharem, sentia a brisa da noite anterior, cujo céu aparecia translúcido depois da chuva tirar-lhe os resquícios de poluição. Como uma noite daquelas, noites com tom de silêncio involuntário, ela sorria, enquanto descortinava, na sua frente, todas as suas fraquezas. Tanto as dele quanto as dela.
Pensando em coisas tão indistintas quanto variadas, andando por entre os riscos do sol agradável que fazia então, ele parou e percebeu a conversa em que estava inserido. Não mais do que dois ou três segundos demorou para saber de cor todas as tonalidades de sua pele e o jeito em que moviam os músculos do rosto dela, enquanto falava animadamente. Em uma relação não muito clara, ao ver sua boca se mover e os olhos abrirem e fecharem, sentia a brisa da noite anterior, cujo céu aparecia translúcido depois da chuva tirar-lhe os resquícios de poluição. Como uma noite daquelas, noites com tom de silêncio involuntário, ela sorria, enquanto descortinava, na sua frente, todas as suas fraquezas. Tanto as dele quanto as dela.
2.23.2008
Quando acordou, abriu os olhos perto da janela. O sol branco deixava tudo meio uma coisa só. Escutava algum barulho de trânsito, enquanto queria ouvir passarinhos.
Ouvia passarinhos.
Rondava todas as manhãs por um poço tão profundo de memória que se perdia a cada início de dia. Não sonhava quase nunca - pelo menos não se recordava de nenhum sonho. Mas aqueles minutos do abrir os olhos eram sempre a comprovacão de alguma coisa que ainda estava pra descobrir. Como se de um momento para o outro, a vida pudesse passar a existir. Assim, de repente. E, da mesma forma, como se pudesse parar e respirar um pouco.
Assim que acordava estava fora do tempo, e lá a vida parecia ganhar a forma. Naqueles minutos, estava em si o tempo inteiro, e aquele intervalo (quase inexistente) parecia definir tudo que estava fora dali.
Um intervalo branco, fresco, com textura de suco gelado e boca seca. Assim se explicavam os dias inteiros.
Ouvia passarinhos.
Rondava todas as manhãs por um poço tão profundo de memória que se perdia a cada início de dia. Não sonhava quase nunca - pelo menos não se recordava de nenhum sonho. Mas aqueles minutos do abrir os olhos eram sempre a comprovacão de alguma coisa que ainda estava pra descobrir. Como se de um momento para o outro, a vida pudesse passar a existir. Assim, de repente. E, da mesma forma, como se pudesse parar e respirar um pouco.
Assim que acordava estava fora do tempo, e lá a vida parecia ganhar a forma. Naqueles minutos, estava em si o tempo inteiro, e aquele intervalo (quase inexistente) parecia definir tudo que estava fora dali.
Um intervalo branco, fresco, com textura de suco gelado e boca seca. Assim se explicavam os dias inteiros.
2.22.2008
1.21.2008
Entre um piscar e outro, ficou olhando para o foco de luz que se escondia e se revelava intermitentemente atrás das gotas de chuva que escorriam pelo vidro. O fim de tarde nublado deixava-o sempre imerso na vista da janela. Não lhe ocorria no pensamento mais do que aquilo que se apresentava na sua frente. Como se estivesse aprisionado pelo normal, espreitava as pequenas mudanças que nunca paravam de acontecer. Acontecendo o tempo inteiro, como se o acontecer era uma coisa só: deixava de acontecer. Assim, consigo, totalmente sozinho, imaginava que a comunicação era a última coisa a que se devia prestar atenção. Totalmente sozinho, a intensidade de tudo era quase concreta, matéria em que se podia tocar com os próprios dedos.
1.02.2008
O novo e o velho
(feliz 2008!)
Abrindo as folhas do caderno novo
Ele decidiu escrever palavras inéditas
O ineditismo era, no entanto, a mancha amarelada
no canto de todas as páginas de todos os cadernos
Fechou o caderno
Resolveu escrever as coisas nas coisas
Um pouco de espaço em branco
e intervalos silenciosos
preencher era pura repetição
(feliz 2008!)
Abrindo as folhas do caderno novo
Ele decidiu escrever palavras inéditas
O ineditismo era, no entanto, a mancha amarelada
no canto de todas as páginas de todos os cadernos
Fechou o caderno
Resolveu escrever as coisas nas coisas
Um pouco de espaço em branco
e intervalos silenciosos
preencher era pura repetição