12.04.2013

a tristeza é só minha.

11.19.2013

minha vida, tão pequena, encolhendo a cada dia.

11.10.2013

morte pelas mãos

todo dia, eu como um pouco do meu dedo. umas mordidas nervosas, milímetros ínfimos a cada vez, ao redor das unhas, que vão se aproximando das bordas que separam essa parte do meu corpo do ar que o envolve. eu engulo a mim mesmo, pouco a pouco, e o que era dedo vira merda, e eu me excreto assim, todo dia de noite, ou de manhã depois do café. eu diminuo pelas pontas. é um pouco uma estratégia de sobrevivência, dizem obliteração: eu chamo deglutição. não que eu queira me destruir, mas é como deixar um pouco pra trás, incluir um pouquinho de morte nas pontas das minhas mãos, que encostam em tudo que me faz viver, tudo que me mantém encravado no futuro. fazendo desaparecer, aos poucos, o meu corpo pelas extremidades, eu faço uma homenagem ao passado, que fica escancarado debaixo do meu nariz: aqui você não é mais o que era. agora eu olho, e essas digitais arruinadas, essa carne corroída, e eu acho bonito. é quase como as infinitas saudades que eu sinto, minhas mortes, inúmeras, empilhadas dentro de mim, fazendo um buraco naquilo que eu vejo quando me concentro. meu luto diário, essa tristeza que eu sinto, desse tempo perdido.

10.09.2013

afeto tropical

minha querida
princesa
bonequinha linda
essa carinha tão inocente
esses olhos de jabuticaba
essa pele escura
"preto-quase-azul, sabe?
preto de verdade é boa gente
não é safado que nem mulato"
o século dezenove nos deixou marcados
pela inteligência
pela tecnologia
pela razão encantada
pela liberdade de expressão
pelo naturalismo, realismo, romantismo, existencialismo (mas esse foi só depois)
pela primazia do homem
e sua 
grandiosa
               higiene
impetuosa
               higiene
maravilhosa
               higiene
lavar-se todinho
esfregar pra tirar essa sujeira
das ruas de terra batida
chinelo velho
lama depois da chuva
ficar todo bem
                branquinho
medicina moral
limpando os cantinhos dessa consciência 
poeira pra baixo da minha coluna reta e o
sorriso 
                amarelo
mas que lindinha, muito esperta, saudável, forte
eu te pago o ônibus
quer um salgadinho
limpa direito porque hoje tem visita
"mas ela tá com a gente desde criancinha
é quase da família"
senta na mesa, veja só
come sempre    
                com a gente
fica caladinha porque sabe o seu lugar
                como gente
ensinei a ler e a escrever e a falar e a se portar
                como gente
limpa direitinho porque amanhã é feriado
pode dormir aqui
pra não se cansar
quase uma relíquia do nosso lar







10.08.2013

aquele dia

no dia que eu morrer, vai fazer um sol lindo, e vai ser perto do mar, e o ar vai ter cheiro de mato balançando ao vento e de muita saudade, e vão estar todos lá, e a terra vai estremecer em um terremoto de afeto, e eu vou chorar, chorar, chorar. no dia que eu morrer, todos vão estar velhos, e as crianças vão ser adultas, e outras crianças vão ter nascido, e outras ainda, e elas vão saber de tudo que a gente nunca soube. no dia que eu morrer, eu vou sentir que meu amor não tem fim, e eu vou espalhar esse amor pela terra molhada, arenosa, do cemitério que fica à beira-mar, e meu amor vai molhar as solas dos sapatos das pessoas que eu tanto amei. no dia que eu morrer, as pessoas vão chorar apenas um pouquinho, vão olhar pro céu, e pensar que foi bom estar comigo, que se lembram daquele dia e do outro, e vão pensar que eu fui feliz. no dia que morrer, a felicidade vai ser uma ideia estranha, deslocada, difícil de ser alcançada, quase inexplicável, uma certa mentirinha inocente, ou um objeto cintilante que acende quando se está longe mas se apaga quando se aproxima. uma "lava lamp". no dia que eu morrer, as pessoas vão falar e conversar um pouco, e cantar canções dentro de suas cabeças, tentar fingir que estão solenes. no dia que eu morrer, o mundo vai ser do tamanho dos anos da minha vida. no dia que eu morrer, as pessoas vão tomar café, comer bolo, voltar pra casa, se preocupar em dormir cedo pra trabalhar no dia seguinte, escovar o dente, pensar na janta, pensar na sua frustração sexual, no baixo salário, nos desejos recalcados, na incerteza do futuro. no dia que eu morrer, a vida vai ser mais bela, porque nada vai acontecer.

10.03.2013

amor

sento à mesa, olho a tela, o papel
"analysis has brought a very important change of perspective on love by placing it at the center of ethical experience"
antes ou depois, não importa. levanto, tomo água, como, preciso de um cigarro preciso de um cigarro preciso de cigarro
- faz tempo que não me drogo -
onde foi parar minha juventude?
vontade de masturbar - mas de novo? ah, a juventude sobrevive aí
o amor sobrevive nos órgãos genitais.
e numas palavras caducas que eu repito na minha cabeça noite e dia
noite e dia
palavras de amor
e de saudades.
meu quarto é grande, as paredes são altas, o ar é frio
a cabeça
enorme
vazia
repete
preciso não dormir
preciso não dormir
preciso não dormir
preciso não dormir
preciso dormir 
sento à mesa e percebo que minha vida
bonitinha
arrumadinha
tudo-no-seu-lugar
é uma merda
placing it at the center of ethical experience
at the center


8.17.2013

a noite de Nova York

na noite de Nova York as luzes se acendem antes da noite cair
a cidade não aceita a escuridão

imagina! no escuro? assim arrisca-se
não se consumir

meu estômago produz ácidos estranhos, misto
de fome com
azia
na noite de Nova York
enquanto nas ruas todo mundo
festeja a melancolia
urbana
contemporânea

ai, essa gente burguesa preenchendo existências bonitas com mesquinhezas corriqueiras
como eu
como você
[mais bonitas sendo corriqueiras que mesquinhezas]

na noite de Nova York, esse livro aberto
nenhuma morte, nenhum grito
a humanidade deu certo
a humanidade deu certo
a humanidade deu certo
a humanidade deu certo

5.10.2013

"I marvel at the sky because it exists" (Wittgenstein)

2.18.2013

"Freedom lies in the vital force of those who are deprived of a sense of belongingness"
Jung Yeong-he

2.13.2013

impor-se uma distância e morrer todos os dias
espremer cada respiro
dentritude, infiniteza
nas bordas, fronteiras
perceber-se história
imaginar-se narrativa
era uma vez todo dia uma beleza diferente
vazia e rarefeita
espaço pro mundo inteiro
começo, meio e fim

onde foi que eu deixei o meu passado?
pendurado, todo molhado
encharcado
secando ao sol de um futuro imaginado

1.28.2013

Aqui, sentado na mesa, eu passo horas imensas pensando que deveria escrever. Escrever sem parar. Escrever, escrever, escrever. Na esperança de que as palavras preencham algum espaço dentro da minha cabeça.
Antes das palavras saírem de mim, existe algo lá? O que havia naquele espaço - p a l a v r a - que agora se abriu e abraçou, certinho, a palavra que acha que saiu de mim?

Mar, rio, passeio, caminhada, beijo, abraço, manhã de sol, luz na janela, cheiro de domingo, silêncio, casa, chão, conversa, cachorro, canto, bicicleta, horas e horas e horas e horas...

Um pouco de mágica, de fé, de crença; na minha saudade imensa - essas horas imensas cheias de saudades que definem quase tudo - eu me engano dizendo que vou escrever. E passo silêncios infinitos,  entre milhões de vozes entrelaçadas, pensando nas palavras.

As palavras são minhas na mesma medida do mundo.