5.26.2007

Devassidão


Acordou de bom humor hoje.

Tomou café-com-leite e, debaixo do sol com roupa de banho

[alegria de dentes brancos e amarelos evaporando de todos os rostos da cidade]

assumiu:

era uma cadeira de madeira

daquelas velhas com as quinas desgastadas.

Tanto tempo demorou

mas pôde ser o que sempre sonhou.

Ai, que alívio!

5.25.2007

Palavras felizes. Ai ai

Quanto pensamento não passa pela cabeça!

Elas foram tomar um ar
Pegaram um avião pra Califórnia
Disseram que por lá conseguem respirar.

Daqui a pouco voltam mais felizes do que felicidade de criança.
Trazendo presentes de pai que volta de viagem de trabalho.

5.24.2007

Machucado

Essa semana a porta das idéias ficou fechada. Roxa, inchada, dolorida. O contato com o mundo infeccionou a cabeça e a poesia circunscreveu-se aos sonhos.

Como um grito latente e sussurrante (sim, porque o inesperado é de tudo contradição), espero até a próxima semana a porta voltar a se abrir. Por ora, fico inflamando as idéias dentro de copos d´água com comprimidos, esperando os ventos soprarem. [quem sabe se o sol sair?]

Nem leitura, nem feitura. Escritura imaginária que não pára nunca, ainda assim. Só concentração na voz interna, porque assim cura-se mais rápido.

5.16.2007

:::

desprosei
re-abri as brechas
para secar os recantos sob o sol do outono

:::
Retomando


eu sentando ali naquela mesa
sentindo um pouco de dó das coisas

eu andando pela rua esperando o ônibus debaixo do sol
colocando os óculos novos que comprei no natal

eu tomando cerveja, fumando maconha
ziguezagueando pensamentos confusos conjuntos

eu com amigos querendo morder o mundo
achando que o mundo era eu com amigos

eu balaçando no parque domingo de tarde
comendo chiclete com olhar no presente

eu na viagem familiar
ouvindo o rock e esperando a vida chegar

como se o tempo todo
eu estivesse sendo aquilo e isto
agora e depois


como se eu não fosse eu


agora descubro que estava sempre ali como estou aqui
como uma peça de argila, apara as arestas
mas é argila pra sempre

argila boa com cheiro de casa e chá na mesa
como o rosto no filme
ou os passos do ator em cima da tela branca
movi minhas palavras pra fora

mas se a imagem fica
o pensamento passa o tempo todo
voando como um mosquito que incomoda a certeza da paz
.
.
.
p p
a e
l n
a s
v a
r d
a a
.
.
.
[uma linha que mistura o fluxo]

em português e não japonês nem francês:
quero organizar o mundo

5.14.2007

Rotina toda


A respiração tomou fôlego aos poucos. E cada inspiração era uma noite e as expirações dias ensolarados. Eu ficava ali. Consumindo noites e soltando dias incontáveis. As chuvas vinham eventualmente, molhar os meus pulmões, que aos poucos enxugavam as gotas, transformando-as em pequenas palavras, molhadas de meu passado: eu as soprava com toda força, empurrando os minutos e os segundos num esforço para o futuro que me esgotava. A cortina do tempo se esfacelava invisível e translúcida na minha frente, aos poucos, à mercê dos borbotões de passado que corriam das minhas narinas e da minha garganta.

estupefatoantesdeontemquebreipoesiaemmetaprosacorridemim
[brecha para inspirar]
omundotodoperdeuosentidosenteisozinhoemcimadomurodurodotictactictac
[inspira o mundo todo agora]
ecomicommeusamigosbiscoitosdeamoraesonhoslongínquos...


Assim nasce pra mim todos os dias em cada dia. Assim a vida anda sem delongas demasiadas e dorme de bruços quando preciso descansar, recostando a cabeça sobre a relva dos meus anseios.

5.10.2007

chuva à noite
abre os póros da cidade
que transpira seus cheiros mais sinceros

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.
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É por isso que a chuva - pensamos - tem cheiro de chuva. Sempre o mesmo odor que se debruça nas narinas. Por que ela entreabre os mais sutis vãos da cidade - asfaltos, cimento, pedras portuguesas - e liberta os cheiros entranhados na carne urbana. Mistura e apresenta. Como no mato, ela tem cheiro de mato profundo, o mato mais mato. Na cidade, a cidade mais cidade.

E é também por isso que chuva é bom. Porque ela cheira a minha vida. Lá no fundo do irredutível, do que é - é pra mim. Pontua lembranças, abrindo o pote da memória inesperadamente.

Perfume de desde sempre. E de ao meu infinito.
Ela entrou no elevador. Senhora (recém-senhora), que luta por manter-se intacta como quer sua auto-imagem, vai à academia todos os dias e mantém-se atualizada dentro do seu iPod. Voltava do trabalho. Trabalhava pela sua auto-imagem também - queria ter uma carreira e arranjou um escritório onde pudesse usar todo o seu senso de praticidade. Como queria, como gostaria. O mundo pra ela conseguia ser inteligível ao ponto de caber todo dentro das suas próprias definições - que, por sua vez, encaixavam-se perfeitamente nas suas vontades. Marido, filha, casa bonita, trabalho e super-independência. Sempre flanando pelos lugares, seus passos tão impressionantemente decididos - mas leves - que deixam tudo à sua volta envolto por um ranço de antes-de-ontem. Ela vive o hoje e é feliz.

Pois ela entrou no elevador. Carregava as três ou quatro sacolas de compras. Seus braços seguros com músculos endurecidos não deixavam-nos dependurar-se. Suspendia os sacos sobre o ar. Olhava pra baixo e falava sozinha. Entrei. "Boa Tarde". Ela balbuciou algo parecido de resposta. Quando olhou rapidamente para mim - talvez numa pequena parte de um segundo -, ela se ressentiu. Havia demonstrado. Perdida dentro de si mesma, parecia que via o chão do elevador pela primeira vez. Sentia o cheiro do pão dentro da sacola. E era o pão. Que ia comer e digerir. E deixar de existir. Perdia-se e achava-se ali, prostrada lânguida ereta na minha frente. Em um intervalo de um minutos (ou alguns andares). Perdendo e achando tudo.

Saiu remoída por dentro, sentido a dor do dedo dentro do sapato. Sentiu o sapato e o dedo. E sentiu o couro cru e o cheiro da pintura das paredes. Não olhou mais. Deixou um rastro de certezas quebradas sobre o chão e foi entrar no seu novo apartamento.

Voltou pra casa. Encontrou o hoje.

5.07.2007

Quebrando: quero falar vírgulas, porques, contudos e aindas. Falar. E continuar. continuar.

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As palavras parecem conter sentidos escondidos. Escrevi e o texto já não é meu (o que, de fato, ele nunca foi).

Queria escrever sobre o dia, o que aconteceu ontem, hoje, a grande anedota de tudo. Mas estou ainda quebrando esquemas. E sigo. Não avisto tanto interesse na superfície das coisas (daquelas que são minhas), mas consigo perceber todo o encanto na leveza de tudo. Contradição. Falta de bom senso e primeira pessoa.

Em vez disso, lembro dos velhinhos no boteco da esquina, pé-sujo e velho, enterrado na camada do tempo, buraco na parece que a percepção pula para não se aborrecer num dia bonito de sol como hoje. Lembro deles. Felizes, às 3 horas da madrugada de um sábado frio e meio abandonado (daqueles que você é tão você que quase incomoda). Eles estavam lá dentro, rodopiando (eram uns 4 ou 5), na frente de uma juke box saída de um road-movie americando no meio do Texas. Tocava Creedance, clássico do rock-n-roll mais rock-n-roll no espírito, e eles estavam de olhos fechados, braços rijos, sorrisos nos rostos (claro, muito álcool na cabeça, mas isso é só sinal de sinceridade), dançando a passos espasmáticos, meio quadrados, meio redondos, perdidos no mundo e achados em si mesmos. Estavam em uma alegria de velhos bêbados dançando não-sei-que-lá, felizes à toa. Por alguma razão, essa imagem não me sai da cabeça. Ela foi um piscar na minha retina; eu andava, passei, olhei, sorri, sem nunca parar. Continuei e o bar ficou para trás. Acho que imprimiu. Porque a vida pode ser tão pra fora que me surpreendeu.
Preparando


Infelizmente, o meu humor participa de uma teia diferente. Não se enquadra nas aberturas, nas arejadas narinas dos pensamentos, mas naquilo que não se vê. Nem sequer se visualiza. Acho que mostra, um pouco no fundo - e não digo que profundidade é sinônimo de qualidade, porque não é -, a sua presença meio fantasma como que enganchada por trás, lá atrás, das palavras. Não sei se é sutileza ou pura covardia. Mas enfim, c´est comme ça.

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Resolvi hoje escrever assim: prosa, corrido, sem "enter" entre um pensamento e outro, e numa primeira pessoa gritante. De dia, claro, sol abrindo todos os póros da cidade lá fora, respirando as coisas. Não à noite, mergulhado na memória. Interrompendo um fluxo esquisito que estabeleco durante o meu dia - o fluxo do fazer e não-fazer -, em que sempre relego à noite o eu-pensando-e-escrevendo, estou aqui, tentando achar que estando aqui, não necessariamente estou deixando de estar lá.

Enfim, momento um pouco meta, porque meta-tudo é tomar consciência das suas limitações. Preciso ligar os pensamentos e deixar o rio correr. E enxergar o mundo sem enquadrá-lo. Chegando quase lá. Neste momento, estou quebrando esquemas. Esquemas lá de longe, de outrora, quando eu precisava criar esquemas. E não são tão importantes assim. Nem criar, nem quebrar. O que acontece entre essas coisas, isso sim, é importante -não importante no sentido de indispensável, mas instigante. Mudar é bom e estabilidade é uma ilusão tão grande quanto o futuro da nação.

5.06.2007

[rock-n-roll]

Balançou as pernas e correu parado
Euforia de todo o futuro entranhada na garganta

golinho de cerveja e eco na cabeça

Amanheceu no dia inteiro
dormido atrás dos olhos que esqueceu
perdidos no salão ao longo da noite

5.05.2007

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Comi pedaços de poesia
pra soltar espasmos do invisível
na cara dos bêbados do boteco da esquina


[Como borbotões de pensamento
Cuspi sonho e um pouco de cada dia]


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Fundiu céu e noite
num soluço de alegria

Firme como uma borboleta
contou os pesares
um por um

E pulou infantil sobre o mundo

Gosto de si na boca
e satisfação à toa