3.23.2008

Do meu quarto, a tela branca tornou-se o tempo. Turvo turvo.

Assim, hoje, andei por todas as possibilidades que já se apresentaram, nos últimos cinco anos em que aqui existi em palavras, imagens e frases. Cinco anos! Faz muito tempo. São tudo o que fui, o que acreditei ser, o que poderia ter sido e que vislumbrei pra mim naquele instante. Inúmeros caminhos que se descortinavam na minha frente: meu espelho que eu recortava como brincando de colagem com os colegas no jardim de infância. Cinco anos de imaginação pura, em prol de algum futuro que, hoje, percebo: ilumina-se à luz que entra da minha janela, e, com os mesmos olhos, percebo mais a calma do que fluxo.

Tento evitar a narrativa, fico com as sensações. É impressionante como somos levados pela possibilidade de uma história. Resisto, mas ainda me move - de forma quase inacreditável - a poética possível em tudo que já foi pensado e sentido. A ingenuidade de quatro anos atrás ainda reside, apagada e reprimida, mas com um desejo intenso de ação.

A potência do passado é tão sutil, aloja-se nos menores espaços, e toma o fôlego todo. Uma memória que não tem tamanho, traz-me meu corpo e meu ar de todos os tempos vividos. Chego a projetar-me um passado futuro e, com essa ínfima fresta de pensamento, sentir.
Uma respiração
e uma palavra
assim se refaz um dia inteiro

Sol domingueiro
andando pelos becos
Iluminando a madrugada

Sem futuro nenhum
Sorvendo a cada segundo
Todos os menores detalhes da paisagem

3.10.2008

uma leve brisa entre os dentes

ou

cantarolar de carnaval entre-blocos

3.07.2008

Como poeira por sobre o móvel

Encostar o dedo e recolorir aos poucos os objetos no entorno

***

Cheiro de mar, concreto e café com cigarro

Sol delicado no ar do fim da tarde

E dor no pé do tênis apertado
Sob a superfície incauta

Pensando em coisas tão indistintas quanto variadas, andando por entre os riscos do sol agradável que fazia então, ele parou e percebeu a conversa em que estava inserido. Não mais do que dois ou três segundos demorou para saber de cor todas as tonalidades de sua pele e o jeito em que moviam os músculos do rosto dela, enquanto falava animadamente. Em uma relação não muito clara, ao ver sua boca se mover e os olhos abrirem e fecharem, sentia a brisa da noite anterior, cujo céu aparecia translúcido depois da chuva tirar-lhe os resquícios de poluição. Como uma noite daquelas, noites com tom de silêncio involuntário, ela sorria, enquanto descortinava, na sua frente, todas as suas fraquezas. Tanto as dele quanto as dela.