9.04.2012

saudade

o vento na árvore
o vento na árvore
o vento na árvore


uma cigarra cantando, o livro sobre a cama, a frase na cabeça
correr os olhos, mais uma vez,
sobre a página amarelada, guardada há décadas na estante
da biblioteca
essas manchas de tinta giram turvas na imaginação
- o que dizem mesmo, as palavras
intrincadas de tanto sentido? -
não dizem nada
explodiram e se dispersaram por sobre a natureza do meu quarto iluminado
por lâmpadas incandescentes
(na América não tem economia, "usa à vontade, my boy!")

desejo de ser ontem
(porque ontem é todo sempre, todinho molhadinho de pura promessa adocicada)
quando eu corria de bicicleta na calçada lisa
ao redor da minha casa
na beirada, uma joaninha e o mundo inteiro que se desfolhava
ontem, o futuro brilhava
azulzinho debaixo daquele sol de domingo
cheiro de café, existência matutina às 7 da manhã
banca de jornal abrindo o expediente
e meu avô batucando seus badulaques budistas
uma mistura do amarelo do sol e do esverdeado da imaginação
do mar que chegaria logo mais tarde
salgado como o pão que eu mordia com tamanha destreza
açúcar na toalha da mesa
gosto estranho do chá
palavrinhas flutuantes no ar


o vento na árvore
ventava de verdade
era só vento
sem ser palavra