1.25.2009

Viu o sol batendo na pedra.
Toda a manhã, das 6h46 até meio-dia (porque depois já é tarde, aprendera). Viu, todo esse tempo, cada segundo, o sol batendo na pedra.

Ele não batia, pra falar a verdade. Antes, ele parecia se recostar sobre ela, esticar bem os braços e soltar um bocejo daqueles "ai!, que preguiça que eu tenho", como se dissesse. No seu amarelo desbotado, parecia apenas contornar as cores que já estavam lá. Amigavam-se e ternamente trocavam confissões sutis e delicadas, a pedra e o sol. Não batia, de fato.

Então, todo esse tempo, estava o sol a acariciar a pedra. Ele viu, não tirou os olhos nenhum segundo - "os olhos que a terra há de comer", diziam alguns. O sol também chegava na terra. Mas antes da terra tinha o mato, tinha as folhas secas, as formigas paradas, as formigas andando, as formigas carregando as folhas secas e as formigas descansando na sombra da pedra. A terra, essa não merecia tanto assim sua atenção - "só porque era o destino dos meus olhos?"

Em todo esse tempo, pensou muito. Ou melhor, não sabia precisar o quanto havia pensado. Talvez tivesse só olhado - e, depois, pensado. Entre pensar e olhar: qual a distância? Sem dúvidas, havia olhado incansavelmente, chegando até a ver a pedra lhe fazer um aceno, como se tomasse suco de laranja à beira da piscina. Viu até os gominhos de laranja, se movimentando ao calor daquele sol que acariciava a pedra e movimentava o suco. Viu também suor que pingava da testa da formiga que carregava a folha seca - "formiga tem testa?", pensou. Pensou pouco, realmente. Porque também não conseguia tirar os olhos das horas em que a folha seca pulava ligeiramente, voltando a pousar sobre as costas da formiga. Não, esse momento era imperdível!

Meio-dia, não era mais manhã. Olhou tanto, que se perdeu. Não nos pensamentos, mas nas horas - na parte do tempo que não é pensamento, por isso a gente se perde. Dormiu e acordou às 3 horas da tarde, a pedra já dormia calma e profundamente, e o sol já a havia traído com a copa da árvore que se regorzijava toda, enquanto dobrava a esquina da rua seguinte.

1.08.2009

Ao acaso de uma beringela, acontecidos pouco admiráveis


"Qual é o tamanho de um acontecimento?", perguntaria-lhe.

Tamanho de uma linha? Ou de um romance inteiro? A fotografia no jornal, a imagem comentada pelo noticiário da tv? O tamanho do acontecimento é um momento, tempo cronológico? Um dia? Uma noite? Uma madrugada? Tamanho de uma mesa de bar, de uma pista de dança? A extensão de uma música? Uma trepada? Um beijo fantástico?

Acontecimento é extensão? É pautado pela intenção? Pela intenção de não ser acontecimento?

Que espécie de acontecido deixa uma vida mais admirável?

Talvez, menos extensão e definitivamente fora de qualquer referencial de intenção - a "não-intenção" vive apenas pela existência prévia da intenção. Aquilo que não se pega, e que não se comunica. Assim, eu diria, adiantando-me a minha própria pergunta: incomunicável.
Também imbuscável: não se traça uma reta para se chegar a um acontecimento, nem um caminho, nem um projeto. Da ordem do que acontece, dentro do horizonte do sensível (aquilo que se sente sem se pegar, ou muito menos narrar), valorizar o acontecimento - cercá-lo de valores e significá-lo - é já matá-lo. Não se acontece por se querer que aconteça. Acontecimento é contingente e casual. Nunca, porém, causal. Andamos na rua todos os dias, e acontecemos em cada coisa e cada coisa acontece ao nosso olhar - e nosso corpo - no momento mesmo em que não os buscamos.

E não há nada de admirável nisso. (Há algo, em alguma parte?)

1.02.2009

O dono do ano

Então eles disseram que mudou o ano. Mais uma vez.

Já ele achou graça: é inescapável. Não que se permita ignorar totalmente o passar dos dias - os números que vão junto com a bateria do relógio - não, isso é impossível. Como os outros, ele tem prazos, datas e conta no banco, que enche e esvazia exatamente no compasso do calendário. Mas também não conseguiria viver acreditando na virada de algo para outra coisa diferente. Não que não vislumbrasse a mudança, mas, de fato, não aquela advinda com a passagem de um dia ao outro. Como se o momento da redenção pudesse surgir sempre, a cada 365 dias. "Já estou velho demais pra me levar por essas coisas...", diria, no tom mais espontâneo.

"Feliz ano novo", diriam-lhe (desejariam-lhe?), todas as vezes que se despedissem. Não, talvez não. "Um ótimo não-ano pra você", porventura quisesse ouvir algo assim. Não conseguia nunca formular uma frase pra preencher a demanda das felicitações desse período. Aí, lembrava-se: "não se trata de frases. Nunca".

Reservava-se sempre o direito do alívio com o fim dos festejos. Bom, 02 de janeiro já pode ser como 02 de dezembro e novembro. Voltava ao seu passar do tempo. O seu. E, tinha quase certeza, o de todos. Tempo bom, que passa e que digere as coisas mais materiais possíveis. Tempo, não números (o homem foi suficientemente ambicioso pra transformar em língua aquilo que é pura experiência).

Comeu um chocolate, tomou um vinho e acendeu um cigarro. Assim, sem mais nem menos, já era madrugada e ele foi se dando conta de que o ano é seu e de mais ninguém.