6.09.2008

Ainda regurgitando as ações do tempo, encontrei isso solto pela internet.

Bruno Fiuza escreveu há alguns anos atrás. Ainda que no melancólico tom juvenil, o texto veio ao encontro de uma recente questão que me tem açoitado a fraca (e desacreditada) consciência: "para quê fazer a coisa certa?"; que, logo, traz imbutida a percepção de que, enfim (o óbvio dos óbvios), não há o certo. Tomar como baliza a própria "coerência" para alcançar essa virtude (a das melhores escolhas) é tentar acreditar que não há a menor possibilidade de mudança. De tudo, ficam algumas perguntas:

(1) em que momento deixamos de perceber a nós mesmos?
(2) isso é algo que amplia (deixamos o tempo se instaurar e quebrar as auto-impostas normas do 'eu' unívoco: não há o que se descobrir), ou que apequena (descolo-me de minhas vontades, pois elas não são possíveis)?
(3) em estreita relação com a pergunta acima, Bruno, por que você parou de escrever? Lendo o seu blog, pude reafirmar a minha velha opinião de que você nunca devia parar de fazê-lo.




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Agora, o texto em si:


"Sábado, Janeiro 29, 2005


Carta aberta a André Keiji Kunigami

(para ler ouvindo a quarta faixa do OK Computer ou a última do The Bends)

Keiji,
descobri a máquina de fabricar cínicos. Procurávamos por isso há muito tempo, mas não o sabíamos ainda. Portanto, esta carta serve para comunicar uma dupla descoberta.
Vamos reconstruir o caminho percorrido: aos dezessete anos precisávamos passar no vestibular; não sabíamos por que, mas precisávamos. Hoje em dia é fácil responder: para conseguir um emprego, não porque queremos um emprego, mas porque queremos dinheiro. Mas dizer que o dinheiro move o mundo não é novidade nenhuma.
Conseguimos nossos primeiros empregos, e não precisamos de muito tempo para perceber que de pouco servia nosso aprendizado de faculdade. Nos sentíamos grandes merdas podendo dizer que passamos para a UFRJ, a UFF e a Uerj; até hoje não nos recuperamos do trauma.
Que trâmite estranho esse que nos obriga a frequentar um lugar que pouco ensina, mas que é o único passaporte para outro lugar onde, talvez, você consiga aprender alguma coisa. Mas mesmo esse "aprender alguma coisa" depende da boa vontade alheia. A gente se pergunta: "Caralho, eu li Kafka pra ficar fazendo coisas que até um macaco poderia fazer?". Mas essa é a pergunta errada. Na verdade, não deveria haver pergunta, apenas resposta. "Eu leio Kafka porque passo o dia fazendo coisas que até um macado poderia fazer."
Enquanto isso, as coisas vão sendo tocadas à nossa volta, por pessoas que pararam de se perguntar e se responder. O importante é cumprir o prazo.
Nem todos nasceram com genialidade, Keiji.
Podemos culpar a atriz irritante que repete o mesmo bordão no mesmo esquete humorístico(sic) dos sábados à noite na televisão? Afinal, ela está lá porque alguém quis, e ainda quer. É obrigação dela perceber a própria infelicidade e pedir as contas? Acho que a própria infelicidade a gente percebe mesmo sem querer, mas pedir as contas...
Ainda vamos aprender (e eu digo um aprender inevitável; um impulso em direção à sobrevivência) que estamos aqui pelo dinheiro.
Citando o próprio Spike Lee: "foda-se o que o Spike Lee diz". Saberemos que chegou o nosso dia quando experimentarmos pela última vez a sensação de que é errado fazer a coisa certa.
Faça a coisa errada, Keiji.

Abraço,
Bruno "


6.08.2008

Qual é o movimento oculto que se passa nas coisas? Entre ontem e hoje, tudo mudou. Só os meus olhos não perceberam.


Papo de botequim, cerveja na frente, 24 anos e (agora) já alguns dias... o movimento talvez seja tão premente que, já me colocando em outro eixo de olhar, não permite a sua percepção. Não há o movimento, mas sim um deslocamento inteiro para uma outra coisa. Sem que se deixe de ser nada, porque talvez realmente nunca tenhamos sido. Esquecer e tornar-se parte, talvez.

Claro, que não a diferença de ontem para hoje, mas numa potência infinitesimal. Nunca chegar sempre se indo.
Espero aqui, sentado, balançando as pernas, o tempo se pronunciar. Ele nunca diz nada, mas deixa suas pistas delicadamente, utilizando-se de si mesmo para enganar-nos.

Malandro de outrora, no entanto, ele já não consegue me enganar tanto assim. Foco minha vista já cansada da espera e, juntando-me à sua eterna brincadeira de esconde-esconde, instalo-me no seu trabalho e, no esforço de imaginar a sensação do invisível, consigo degustar cada aceno que me dá. Conseguimos então, assim, selar a amizade que, ao mesmo tempo, provoca o escárnio e o imenso respeito que cultivo.