7.18.2009

Um hábito estranho. Podem achar doente, que seja. Mas tem um pedaço desse mundo virtual - vasto, porém cheio de vícios, caminhos repetidos - que não me canso de visitar e revisitar. Ele nunca - nunca! - vai mudar. Nem uma letra a mais, nem uma vírgula a menos. Fica ali, perene, sólido, cheio de incertezas que nunca vão se resolver. É como se tivesse preso ali, naquela tela, naquelas cores escolhidas, fontes, números, dados de html. Um pedaço de tempo que estancou em uma fórmula, um espaço fechado a sete chaves, que conserva seu ar intacto ali dentro. E uma voz, tão viva, que me chega aos ouvidos quando por ali resolvo passar. Não digo que há frequência notável: a cada três meses, quando muito, me pego olhando pras suas frases encadeadas. Como se eu pudesse experimentar uma presença estranha, que já há muito é ausência. Não pensem nada sobre mim, não estou com nada, nem passando por nenhum problema. Gosto de ouvir seus pensamentos, às vezes límpidos, às vezes confusos. Só isso. A nostalgia não é tão determinante quanto o real interesse pelo presente daquele texto. É uma mágica da internet: fica-se sempre. Novas configurações de memória, diria o título de alguma tese de doutorado. Eu digo: alguma humanidade que salva a literatura, o texto, a palavra escrita, a porcaria que é a internet, em geral. Então fico lendo. Pouco a pouco, pra que me reste o que descobrir da próxima vez. Percebo que podia ter ouvido mais da sua própria boca, mas lembro que às vezes não é possível se entender as coisas enquanto estão acontecendo. É preciso algum tempo, decantamento. Então, nesses passeios, a ausência se esvai, e uma presença quase latejante está aí, pronta para ser ouvida. Quase ouço essa voz que não se ouve há tanto tempo.
Não posso sentir muita coisa. E não digo que pouco me importa tudo isso, a história, minha família e todas essas coisas que me empurraram para dentro dos meus ouvidos desde que nasci. Não sou dissimulado o suficiente. Talvez lhes importem mais a quem o diz. Mas, enfim, isso a mim não importa - quem o faz e quem não. Mas de fato, não sinto tanta coisa assim. Já era de se esperar. Desde que cheguei, percebi isso: aqui nada me fala. E não há importância no fato de que fale a língua, conheça os hábitos, e até saiba do seu pensamento. Interessantes, distintos, pitorescos e surpreendentes. Emocionantes e familiares são adjetivos muito forçados. A narrativa não vai tão longe, posso garantir. Quem inventou a balela de encontro de raízes estava certamente tão fascinado com a História de um Si transcendente que não pôde se lembrar que historietas são mais acalentadoras. Aquelas de ontem, do ano passado, de um minuto de um dia qualquer. E que o corpo é tão mais senhor da presença (e da ausência, por que não?) que ali estão memórias preciosas, que dali saem e para fora se escapam. Não me emociono, não vejo nenhum passado que seja meu em nenhum lado pra onde olhe por aqui. Não que isso seja algo ruim, mas tampouco me ponho a buscar um arroubo de profundidade metafísico-memorialista em algo que aí está, assim, que é do corriqueiro, da vida daqueles que aqui passam. E eu também aqui passo. Agora. E meu corpo não encontra acúmulo nenhum que o arrebate. Acúmulo, se há, é nele, e não por aí afora. E dele podem sair coisas novas e se reterem outras. Dele, sempre, porque, inevitavelmente é de mim que falo agora.

7.05.2009

3 meses.

Há exatos três meses, estava em algum avião, no caminho...

Em três meses, muitos anos. Muitas vidas diferentes. É impressionante como as mudanças são perceptíveis quando o tempo é contado e atentamos aos nossos humores com os sentidos bem apurados.

Pois sim, são três meses e muita coisa mudou. Já tenho meus passos que caminham sozinhos, pelas ruas que eles escolheram com o passar dos dias. Tenho assuntos e risadas espalhadas por alguns cantos da cidade, e alguns ouvidos nos quais as minhas palavras já cavaram seu caminho certo. Tenho imagens e olhos, alguns cheiros e barulhos, tenho um pouco da cidade já descascada pelas minhas passagens. Tenho passagens e paradas. Já fiz meus buracos e gastei alguns pedaços de piso das ruas e das calçadas. Tenho minhas horas, meu tempo. Já construí um tempo meu, único, e pouco afeito ao que me ensinaram quando cheguei. Tenho segundas, terças, quartas, quintas, sextas. Tenho sextas! Tenho sábados e domingos. Domigões, almoços, passeios e gente em casa. "No Japão, é assim, é assado, aqui se faz dessa forma e não da outra". Já criei minha maneira e posso manejar o meu país dentro dessa ilha. Tenho algo que aproxima de uma casa - passageira, no entanto, e isso será sempre, eu creio.

E, em três meses, também percebo o que de lá tem morada aqui. Percebo ruas de Icaraí que cismam em andar na minha memória, algumas mesas e cadeiras da Praça São Salvador, umas muretas da Urca, algumas mesas no Humaitá, o cheiro e o frescor de umas árvores em Pendotiba e o mar das praias - elas todas. E sinto ainda o suor de um sol úmido, levemente salgado. Percebo com clareza o que fica e, presente sempre, é ausência mais aguda, que vai e volta nas horas em que durmo ou me deixo sair daqui. As vozes, as risadas e os humores. Meu pensamento que flui, em português. O português que às vezes brota borbulhante, no meio de uma frase em japonês, ou em inglês, ou espanhol. A língua me dói tão fundo que às vezes me cego e me perco.

Enfim, 3 meses, e, em tão pouco tempo, tantas possibilidades de viagens. Ainda muitas outras por vir.