6.25.2010

síndrome de farnese

colecionando souvenirs
sempre
depois, quem sabe
distribuindo para outros
assim se faz uma colagem

diz-se souvenir àquilo que se encontra pulverizado
em algum lugar inenarrável
frustração da incapacidade pura
(também se pode dizer tempo)
a beleza do fracasso de seguir em frente

6.21.2010

José Saramago morreu. Meu pai me contou.
Copa do mundo acontece, do outro lado do globo - aqui, as pessoas dormem, comem e trabalham.

Eu fico acordado toda a noite, esperando o tempo passar dentro da minha cabeça. Do lado de fora, ele consome rápido qualquer vestígio de acontecimento. A vida, de repente, parece caber embrulhada em um papel de bala ou uma pontinha de cigarro.
Meus pensamentos têm tomado o formato de um mapa mundi esquisito, que se estica e se encolhe na mesma velocidade da minha respiração. E, cada vez mais, penso que não preciso do mapa nem do mundo: vontade mesmo é de estar em casa sem ter nada o que pensar. Mas essa condição já não mais é válida, e a escolha já se esvaneceu com os quilômetros que o meu corpo percorreu. Resta-me esperar. Quisera eu não ter feito nada jamais: a angústia talvez fosse de outra estatura. Agora, ela é cheia de espaços recônditos, ensolarada por fora (e por dentro), mas com esses intervalos que me fazem escrever sem saber aonde ir. Melhor então seguir escrevendo. Minhas saudades já cruzaram a fronteira, e a cada vez elas ganham mais personalidade. Quase existem fora de mim. Não quero isso, nem aquilo outro. Não quero abraçar o mundo com a perna, quero apenas a perna como segurança e, quem sabe, às vezes, o mundo como possibilidade. O movimento em si me parece muito mesquinho: nada de encerrar coisa alguma.

De noite. A sensação da espera me acalenta mas também me corrói levemente a calma que me acompanhava até alguns dias atrás. Mas ela sempre retorna ao raiar do dia. Não que seja nada (não se trata de achar que os modelos, horóscopos e melodramas hollywoodianos façam qualquer sentido), mas simplesmente uma agudez do tempo que me deixa tão confuso quanto mais em movimento. É neste momento que as fantasias se embolam, e uma varanda ensolarada, uma planta num vaso, uma rede balançando e um céu azul com algumas nuvens perto do mar parece tão real quanto inalcançável - porque está em algum lugar do meu passado que eu imagino ter vivido. Imagino sorrisos dos amigos, balançar da cabeça da namorada, almoço com família e discussão de irmãos.

Agora já é de manhã, e é preciso descansar. A imaginação flutua sempre: já tomou o avião e já chegou em casa, mais de mil vezes. E isso é que me faz despertar.

6.11.2010

Eu tenho muitos amigos. Muitos. E eles me formaram e me permitem uma existência compartilhada, relaxada, prazerosa, justificada e completa. Diria: eles me permitem uma existência para além do existir. Desses muitos amigos, há um casal que conheço há uns 8 anos. Quase todo esse tempo eles foram um casal. Eles não estão entre os amigos mais próximos, por contingências dessa vida. Mas por eles eu tenho uma profunda admiração e, definitivamente, eles contribuem para o que eu tenho de otimismo em relação às coisas, de forma muito mais marcante do que eles devem imaginar. Eles são aquilo que talvez represente meu apreço pelos meus amigos, não sei por qual motivo. E eles vão ter um filho.

Essa notícia me pôs em pensamentos compridos, largos e esticados. De um dia para o outro, me empurrou para uma espessura do tempo que eu havia deixado de habitar há algum tempo. Colocou-me em movimento complexo e descontínuo. Deu-me saudades agudas. Entendi, em alguns segundos - ou, talvez, uma noite inteira pensando, todo o tempo ruminando esse entender - que sei por que esse casal de amigos me deixa tão satisfeito e feliz só de vê-los, por que me refletem o meu próprio apreço pela amizade. Pode ser mesmo só assim de longe, acompanhando os movimentos, gestos e sorrisos: porque eles são uma revelação boa e saudável do tempo; temporalidade essa que nos é tão inescapável quanto essencial, afinal, de fato, somos por ela, nela e a partir dela. Mas que, no entanto, podemos mexer, esticar, e montar formas distintas e fazê-la grudar ao que quer que seja. Podemos escolher narrar, ouvir, observar ou experimentar. Sendo que todas estas quatro maneiras de nos relacionar com o tempo são essenciais e quase obrigatórias. E, por algum motivo que ainda não entendi, são esses dois os que, até hoje, me fazem entender isso.

Sortuda vai ser essa criança!! Parabéns e beijos gordos!!!

6.04.2010

O sol queima a nuca, que se expõe ao ar por entre os fios do cabelo. Descendo a ladeira sobre a bicicleta, não pressiona os freios, deixando o ar quase cortar a pele de seu rosto. Ele sente o sol, alegra-se com o suor que aparece sutil nas suas costas. Quisera poder seguir reto, sem haver de parar no próximo sinal.

Sob a temperatura quente que vai se acumulando no ar, seu corpo se coloca num estado estranho de intermédio: sendo matéria incontestável, consegue se difundir em memórias confusas, mas sempre ternas. Percorre, ao mesmo tempo, espaços tão distintos quanto distantes. Meio mundo se põe em movimento no seu percurso sob o verão que anuncia sua chegada.