2.21.2005

Sobre as coisas

Você está predestinado a isso. E ponto. Você estudou, você fez faculdade, você fez o estágio, ganhou o seu salário, conseguiu o emprego, saiu de casa, fez o que devia ser feito. Você aprendeu que ia ganhar o mundo preso em uma sala. Conheceria tudo tornando-se menor e mais limitado. Você sentiu isso. E as coisas são assim. Turvo como é. Acostumando-se a não pensar, a chegar e dormir, a obrigar-se a se divertir, a esquecer os questionamentos, dormir e acordar com horas marcadas, a conversar apressado, a comer e aproveitar para relaxar, a beber (ou fumar) para esquecer tudo que acontece quando não está bebendo (ou fumando), a perder o sono por causa do dia seguinte, a sentir o domingo amargo porque logo vem a segunda-feira. A repetir e repetir e repetir. Dia é dia e noite é noite. A vida é vida. E ponto. As coisas acabam. Cedo. Cada um faça o que quiser da morte diária que experimentamos.

E, de repente, percebe que pode viver e saber que pode morrer daqui a cinco minutos. Então foda-se todo o resto. Matéria é algo efêmero e ser humano é matéria. Um pouco mais metafísico, um pouco menos concreto, mas efêmero da mesma forma. Degustando a morte a cada respiração. E, por isso, vivendo de maneira mais honesta. Assim é mais saudável.

2.16.2005

tempo morto

peso o tempo
morto sobre a cabeça
esqueço o pouco
pensamento cortado
que varreu a carne viva
da lembrança
faço mira e escondo o tiro
dentro da tristeza
perco o rumo
na pequena esfera
translúcida que me redoma
a morte que me separa
ainda assim
de mim
o sol arrastado me atormenta
ainda assim
assim

2.01.2005

zum zum
(conversa de lugar)

Andando de lá pra cá
a vida está pra acabar
e eu acabo caindo
em mim
caindo
sem fim
dentro do sono que me corrompe.
Os nervos à flor da pele
não deixam cantarolar
pequenos restos de palavras
mofadas
guardadas
para talvez um dia
secar no armário
poesias deturpadas
que poderiam ser ar
mar
trazendo pra mim o frio e o sol.
[Anda
percebe o que me cerca]
Para continuar a queda
e fechar raciocínios
aquietar insônias
rachar a redoma mágica
e poder voar
cantar em silêncio
todas as notas brancas e amarelas
empoeiradas de algum canto
quebrar e sair assim
à escuridão somatizada
e realizada em cada grão
presente enfim.