6.20.2009

Todos deviam saber português, pra poderem ter a possibilidade de ler Guimarães Rosa.

6.18.2009

Passam, os dias e as horas. Assim, os pensamentos. Aos poucos, vou chegando em Kyoto. Mesmo que de lá, do outro lado do oceano, creio que nunca tenha saído de verdade.

O tempo é tão ligeiro, amacia o espanto e vai fazendo as coisas acontecerem. Ainda sinto falta do tempo que não passava jamais, de quando não olhávamos pra ele. "Olha aqui, na minha cara", ele esperneava. Não sei por que, mas hoje escuto sua voz, sussurrando como uma brisa no meu ouvido. Abro os olhos e o dia ensolarado me traz alguma boa memória. Sinto falta daquele tempo, ignorado. Era uma mágica suprema, aconchegante e recheada de bons encontros. Agora, na memória, sou muitas saudades. Não tem muito jeito, nasci no meio de tanta coisa inexistente, imaginação tão cheia de reentrências, protuberâncias, escorregos e rebuscamentos; nasci já sentido saudade, eu creio. Coisa esquisita, diriam alguns. Pra mim, sempre que estou, percebo o quanto estive, estiveram, estivemos. O tempo de hoje me assombra, sempre. Desde ontem, quando acordei no meio daquela luz branca e quentinha, debaixo da coberta do meio-dia. Gosto de chá, cabo de guarda-chuva, torrada com manteiga e milho quentinho. Um tempo tão maior do que eu.

6.09.2009

Imaginação da cidade


Imagino uma cidade. Ela tem luzes e árvores que se esparramam pelas ruas. À noite ela cresce e engole todos os meus pensamentos. As suas bordas são como linhas borradas - porém nítidas aos olhos atentos - que não conseguem separar o fora do dentro. Tudo ali, naquele limiar, se mistura. Uma cidade feita de bons limiares. Percorro seus caminhos com um olhar embevecido e curioso. Olhar de criança. Ela se extrapola a si mesma. Nunca pára de se criar. Imagino que tenha muitas pessoas e tanto mais esquinas. As vozes são rápidas, altas e gargalhadas. Elas carregam algo de interessante. Não consigo entender o quê, mas na minha imaginação, elas estão lá, aderidas ao seu cenário. Os cheiros são agudos - nada de meio-termo. Eles se encontram na minha frente, e perfuram o asfalto, as árvores, e as quinas rachadas do meio-fio. Chego a imaginar seus vôos entretidos, rachando aquele cimento cinza pra percorrer a matéria da cidade. É uma cidade de espaços, amplos, com pontos luminosos aqui e acolá. De manhã, ela se espreguiça toda, e estica seus braços pra fora dos seus domínios. Ela se derrama toda pela sua vizinhança, como se afagasse de leve a superfície que lhe foi atribuída. Passa a mão nos cabelos e suspira leve e satisfeita. A cidade sente a moleza da manhã e ri de si.
Imagino ter imaginado inúmeras vezes essa cidade. Na memória, essa cidade se solidifica e se decompõe, a cada oportunidade de olhar para fora. Seus penduricalhos tomam forma. Ela data de 1984, e segue nascendo por aí. Mais ou menos de dois em dois anos, depois de muito espairecer, ela ganha novamente o mapa. Espalha seus tentáculos e reabre sua temporada. "Nasceu!". A cada nascimento, posso imaginar ouvir uma música tranquila ao fundo, enquanto ouço vozes familiares, risadas de crianças e sinto o cheiro salgado de um mar azul e muito extenso. E ela chora um choro cheio de vontade, com gritos prolongados de quem inspira o primeiro ar nesse mundo. Esperneando pelos cômodos. Choro com gosto de leito fresco. Imagino seu nascimento, imagino que nasce a toda hora oportuna. Imagino nascer, quantas vezes forem boas e na medida, assim como eu.
Dois meses e cinco dias fora de casa.

Dois meses e três dias em Kyoto.

6.05.2009

Nhenhando, num deslim. A marcha estradeira da palavra. Cismosa, entrando em si, na meio-sonhada ruminação. Meu amigo Guimarães Rosa, aqui, nesse longe que estou, esquentando um pouco a alma com palavras quase cantadas. É impressionante como tudo fica macio quando ele escreve.

"A felicidade é o cheio de um copo de se beber meio-por-meio".

Soropita fica feliz com Doralda, lá no Ão do meio do sertão. Basta saber olhar: de dentro de cada coisa, umas cem mil palavras, que, em vez de representar, apresentam um outro modo.

Em vez de economizar, às vezes derramar aos montes pode ser outra forma de economia, tão simples quanto. Não o excesso das voltas que nunca páram, mas o adentrar do olhar nas dobras que podem ser desfolhadas de cada coisa.

Um dia haicai e outro Rosa. Assim se vai.