11.19.2007

Pedaço

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Andou um pouco equilibrando-se no meio-fio.

Soprou o vento. Quente feito bafo vindo do forno. Era verão, e os pingos se formavam debaixo do tecido da camisa nova, saindo dos pequenos póros das costas. O rosto vermelho, irritado com o calor e a barba recém-feita. Na camisa, desenhos se formavam conforme andava: as gotas penetravam na malha e o azul ficava quase preto.

Acompanhava com os olhos o ralentado movimento eterno das nuvens. Sempre indo, parecia que estavam em um único e grandioso objetivo, mas interminável. Não se importava com as formas, mas sim com o processo. O ir, mais do que o ficar, sempre. Mas era um ir ficando: isso que atraía inevitavelmente seu olhar.

O céu era muito azul. Azul azul azul, pensava, enquanto as nuvens se encaminhavam para onde elas estavam sempre indo. Um carro passou, muito veloz, e jogou-lhe uma lufada de vento no lado esquerdo do corpo. Tombou e caiu no meio da calçada. Entre uma árvore, um banquinho dos de praça e uma pequena poça de água da chuva do dia anterior, ele ficou no chão, sentindo um pouco a ausência absoluta. Uma nuvem que passa ficando o tempo inteiro.

11.15.2007

sobre o asfalto
cheiro de chuva
pingando
atrás das peles

no verão chuva fria
meus amigos de então
contando histórias
e arremessando afeto e sorrisos

aquelas vozes, num coro
minha casa e travesseiro
o futuro que brilhava

fez-se a ponte e quebrou-se a fundação
como se, das palavras
o casco puro nas mil mãos

aspereza pela espera
Sentado no banco da praça nublada, reconsiderou sete vezes e meia os seus pressupostos. Acreditou na descrença por 3 minutos e 49 segundos, e o mundo se lhe apareceu mudado. As coisas saindo do seu lugar, entrou numa confusão de nomeclaturas que jamais imaginou poder existir. Não se situava mais em si, no seu lugar e na sua vontade. Não conseguiu separar, dividir, organizar. Turvo como algo que não podia nomear.

Andava pra frente e desconfiava das direções. Passo a passo, reconfigurou suas mais estáveis noções.

Conversava com seu amigo. Ele conversava e escutava e dizia. O controle total é sempre já o descontrole.
Porque o mundo engoliu e virou em si a própria escrita. Desde então, escrevo em pensamento e em visão: escrevo-me dentro das coisas, que escrevem em mim o eu-mesmo exterior a tudo. Muitos dias, noites, madrugadas, presença e ausência. E, neste tempo, escrevendo sem parar, incessantemente, sem nem tocar no papel (ou no teclado do computador). Escrevendo sem escrever, porque assim, escreve-se na minúcia e no sopro, escreve-se sem precisar comunicar, estancar, escreve-se num sem-parar que é mais escrita do que esta atual.

Hoje, cessei e, neste momento, reorganizo as folhas imaginárias. Desobstruo o caminho e abro espaço. Redistribuindo, digerindo.

Assim, o dia chuvoso parece ensolarado, dentro do meu quarto. Nos dias, meses, anos que se passaram, sigo vivendo sem fim. Só que agora, não são mais escrita, transformaram-se em leitura para aquilo que de novo pode surgir.