12.25.2008

Ano que vem em Kyoto


Escrever o que chega, falar o porvir. Talvez assim, imaginou, seria possível imaginar aquilo que é o mais impensável. Recebeu, em plena véspera de Natal, em e-mail confirmando a viagem que pode durar (quantos?) anos. Pensou então: tentando escrever o impensável, tornaria mais amigável uma experiência tão distante. Por que havia escolhido ir a tão longe? "Ano que vem em Kyoto". Frase esquisita, como se as palavras não se encaixassem. Viajar, mas não como ir a São Paulo, planejar um doutorado em Paris, tentar uma temporada em Nova Iorque, ver a exposição em Berlim, andar de bicicleta em Amsterdã ou ver a velha novidade de Londres. Não como isso, não como lera no jornal, escutara na internet ou imaginara ao ler o romance (Paul Auster voltou a freqüentar recentemente suas idéias). Nem mesmo como fazer uma visita curiosa e "interessada" à Índia, ver os monumentos da China, o mochilão na África: degustar, ao meu tão edificado e "de bom gosto" olhar, o sabor do outro que me apraz (o outro que eu consumo em qualquer discurso "atualizado", esclarecido, que me deixa ainda mais refinado, "interessante", "gente viajada"). Distante de fato: distante como morar fora de si. Sem o gesto acumulado no corpo (e na retina), sem a textura da imagem que aproxima, a pequena atmosfera européia (colonizada?) que envolve o pensamento desde muito tempo... "Ah, como é charmosa Lisboa, andar pelo Bairro Alto e ouvir um fado... Como passeei pelos bares de Madri, curti a noite intensa enquanto trabalhava de garçom no pub irlandês da Gran Via" - o charme, a noite, a atmosfera, reprisada nas inúmeras falas, nas inúmeras imagens que se proliferam por aí. E o pensamento? Sou francês, alemão, trágico, tropical, racional sem dúvida, trazido pela grande crítica global que me faz antes de mais nada sempre num a-partir-de. "Mas é foucaultiano ou deleuziano? Ah, sim, entendo... escutava Pink Floyd ou The Clash?" Mas do que se trata: "ano que vem em Kyoto"? O impensável, talvez, também se tratasse disso, uma pura e honestíssima diferença, aquela que se degusta com olhar estupefato de uma infinidade de possibilidades de existir que se descortinam diante de seus olhos. Assim, sem muita razão, tentou capturar aquilo que nunca esteve lá.

[E, ao final, talvez, tudo se trate de pura diferença. Quem sabe não é partindo dessa pequena suspeita que tivesse escolhido por tão longe?]

12.22.2008

Estratégias da imagem

políticas do sensível









12.18.2008

Às vezes se está para a escrita, às vezes não se está. Ver um pouco e sentir um ventinho bom de outono tardio. Como já há muito sabido, palavras não esgotam nada, além de uma página e alguns pensamentos (será que pensar é suficiente pra algo?).

Mesmo assim, surrupiando qualquer possibilidade de dialética, persisto aqui pelas palavras naquilo que nelas não está. Talvez isso seja mais palavra do que qualquer outra coisa.

*

(será que é uma obsessão: escrever a escrita, o tempo inteiro?...)

12.15.2008

Repetindo, o não-visto

do dia 28 de agosto de 2007, cabível sempre...


diminutamente
porque plenitude acaba logo logo
basta virar a esquina

assim pequeno
consigo continuar o esquema do não-esquema
permanecer noite de dia e dia de noite

sempre palavra e nunca frase


12.04.2008

Diz-me: "cancel"
Digo: "sim, por favor"


Um fim de ano e um ano novo. Como se o mundo olhasse para o relógio na parede.


"-Ainda acreditas nos minutos?
-Só naqueles que eu invento."

12.03.2008

Estar aqui e lá, impossibilidade.
Em mim e em todo o resto: ser quase tudo, fazendo o pouco que me cabe. Assim, como se pudesse controlar o passando de cada tempo, como se os dias fossem meus quartos.
Pensando que pensar é tudo de que se trata
- quase tudo -
esquece-se de que há sempre aquela brecha que sobra, entre coisa e coisa, entre eu e o resto todo. Aquele resquício de coisa nenhuma, imanência ou pura complacência do mundo. Não complacência por ser complacente, mas por não ser e ponto. O mundo sendo aquilo que tudo que não é - porque não é falável, nem avistável.

Talvez seja isso. Passar das horas, degustar as palavras e invisibilidades instantâneas - porque efêmeras. Fotografia, cinema, poesia e amizade. Assim, sem mais porque sempre menos. Sempre quase lá.

12.01.2008

Palmas!

Atentando aos movimentos dos dias, às temporalidades dos espaços, e às mil bifurcações possíveis, eis que volta a escrever um amigo.


À maneira de respirar - não de organizar os pensamentos, mas torná-los algo palpável, tranformá-los em coisa, nem que sejam sons, ruídos, rabiscos - escrever pode ser necessário. Assim, sem a necessidade de embelezar, mas sim para deixar denso, transformar numa intensidade: não dizer o que há para ser dito, escrever como se fosse um momento antes de dizer, alguns diriam pensamento em estado puro, ou pode ser, quem sabe, linguagem sem a necessidade do mundo como referente (forçosamente, a lógica tem que ser interrompida).

"O prazer do texto não é necessariamente do tipo triunfante, heróico, musculoso. Não tem necessidade de se arquear. Meu prazer pode muito bem assumir a forma de uma deriva. A deriva advém toda vez que eu não respeito o todo, à força de parecer arrastado aqui e ali ao sabor das ilusões, seduções e intimidações da linguagem, qual uma rolha sobre as ondas, permaneço imóvel, girando em torna da fruição intratável que me liga ao texto (ao mundo)" (Barthes, R. "O Prazer do Texto")


Sendo assim, desrespeitoso, não no esforço hercúleo do sentido, do conclusivo e do opinativo. Os textos bons (também esses textos amigos) são assim - tanto como texto quanto como mundo - fruição intratável.

Texto sem sujeito, mas texto-mundo, que pode passar longe da referência de um "ponto de vista".