5.10.2007

Ela entrou no elevador. Senhora (recém-senhora), que luta por manter-se intacta como quer sua auto-imagem, vai à academia todos os dias e mantém-se atualizada dentro do seu iPod. Voltava do trabalho. Trabalhava pela sua auto-imagem também - queria ter uma carreira e arranjou um escritório onde pudesse usar todo o seu senso de praticidade. Como queria, como gostaria. O mundo pra ela conseguia ser inteligível ao ponto de caber todo dentro das suas próprias definições - que, por sua vez, encaixavam-se perfeitamente nas suas vontades. Marido, filha, casa bonita, trabalho e super-independência. Sempre flanando pelos lugares, seus passos tão impressionantemente decididos - mas leves - que deixam tudo à sua volta envolto por um ranço de antes-de-ontem. Ela vive o hoje e é feliz.

Pois ela entrou no elevador. Carregava as três ou quatro sacolas de compras. Seus braços seguros com músculos endurecidos não deixavam-nos dependurar-se. Suspendia os sacos sobre o ar. Olhava pra baixo e falava sozinha. Entrei. "Boa Tarde". Ela balbuciou algo parecido de resposta. Quando olhou rapidamente para mim - talvez numa pequena parte de um segundo -, ela se ressentiu. Havia demonstrado. Perdida dentro de si mesma, parecia que via o chão do elevador pela primeira vez. Sentia o cheiro do pão dentro da sacola. E era o pão. Que ia comer e digerir. E deixar de existir. Perdia-se e achava-se ali, prostrada lânguida ereta na minha frente. Em um intervalo de um minutos (ou alguns andares). Perdendo e achando tudo.

Saiu remoída por dentro, sentido a dor do dedo dentro do sapato. Sentiu o sapato e o dedo. E sentiu o couro cru e o cheiro da pintura das paredes. Não olhou mais. Deixou um rastro de certezas quebradas sobre o chão e foi entrar no seu novo apartamento.

Voltou pra casa. Encontrou o hoje.

1 comment:

Clara said...

genial. adorei a recém-senhora