"Escrever é tentar saber o que escreveríamos se escrevêssemos." (Marguerite Duras)
Será que de fato existe um ponto em que a linguagem não é mais suficiente? Nenhuma possível linguagem, de nenhum possível sistema. Esse ponto seria o encontro de fato com a essência das coisas (?).
Como descrever a luz amarela sobre um pedaço do muro que se vê através da janela do ônibus? Já tendo descrito, percebo que não consigo descrever. Porque descrever é reduzir. Expressar é reduzir, de certa forma. Aquele pedaço de muro, sob aquele pedaço de luz, definitivamente não me impele a escrever por ser um pedaço de muro sob um pedaço de luz. Mas por quê então? Por algo que, de fato, ultrapassa a expressão da linguagem. Porque, de alguma forma muito misteriosa, aquele pedaço de existência concreta, em algum momento, falou sobre mim, falou comigo. Porque é possível enxergar poesia (vivência e experiência), em qualquer elemento que nos afete. E essa expressão a mim externa e quase aleatória (não uma epifania, mas um suspiro de poesia cotidiana e simples) é uma certa forma de contato com um além-lógico. A essência, para nós, encontra-se em nós mesmos, e, - aí a vantagem incrível de observar e abrir a percepção -, também no mundo, nas coisas. E então, de fato, não há linguagem que dê conta. Mas mesmo assim, tentamos "saber o que escreveríamos".
12.14.2006
10.30.2006
" Muitos
muitos dias há num dia só
porque as coisas mesmas
os compõem
com sua carne (ou ferro
que nome tenha essa
matéria-tempo
suja ou
não)
os compõem
nos silêncios aparentes ou grossos
como colchas de flanela
ou água vertiginosamente imóvel"
(Poema Sujo, Ferreira Gullar)
Voltando ao ínicio. Dando um nozinho, porque todo nó fecha, mas também pressupõe o novo (porque o movimento é inexorável, a não ser que se queira interrompê-lo, mas aqui a idéia é o extremo oposto). O nó é a possibilidade da novidade. Dia bonito e as cores sem filtro. Se as coisas sorriem, é desse jeito, bonito assim.
muitos dias há num dia só
porque as coisas mesmas
os compõem
com sua carne (ou ferro
que nome tenha essa
matéria-tempo
suja ou
não)
os compõem
nos silêncios aparentes ou grossos
como colchas de flanela
ou água vertiginosamente imóvel"
(Poema Sujo, Ferreira Gullar)
Voltando ao ínicio. Dando um nozinho, porque todo nó fecha, mas também pressupõe o novo (porque o movimento é inexorável, a não ser que se queira interrompê-lo, mas aqui a idéia é o extremo oposto). O nó é a possibilidade da novidade. Dia bonito e as cores sem filtro. Se as coisas sorriem, é desse jeito, bonito assim.
10.05.2006
A(s) hora(s) inteira(s)
O tato no céu
peixe escuro que ronda a mente de noite
Na noite de todos os dias inteiros
o pensamente perde o foco
perambula por todas as coisas que existem
e não
e chega em lugar algum.
Se no tempo que pára (paira?) por cinco
- ou seis -
horas
espera tudo por ser olhado vago
a memória me deixa acordado.
E - ainda bem - vive-se continuidade.
E não cortado nem metade.
O tato no céu
peixe escuro que ronda a mente de noite
Na noite de todos os dias inteiros
o pensamente perde o foco
perambula por todas as coisas que existem
e não
e chega em lugar algum.
Se no tempo que pára (paira?) por cinco
- ou seis -
horas
espera tudo por ser olhado vago
a memória me deixa acordado.
E - ainda bem - vive-se continuidade.
E não cortado nem metade.
Indescritível
Existe uma parte das coisas que não são descritíveis.
Há o que se vê, o que se decodifica, o que se compõe, racionaliza-se, que se manifesta materialmente. E o resto. O resto é o sentido. E quando colocado assim, tenta-se descrever. E a descrição é absolutamente insuficiente. Não é o sentido do signo. Não aquilo que preenche nossa expectativa. Aquilo para o que não se pode ter expectativa, porque não se prevê, não se mensura. Que não está nas coisas, mas em uma brecha quase inexistente entre o que sai e o que chega. A brecha que está de uma forma diferente, individualmente distinta em cada sujeito. Que não pode ser, senão para cada um. Porque cada um se constituiu de forma inteiramente diferente. E a partir daí, o mundo passa a ser uma construção única, empírica e infinamente solitária. O sentido do mundo que é existir. E existir, que é uma experiência estritamente sua e minha e dele e dela. E nunca nossa. Apenas no sentido que existimos. E aí as coisas são bonitas. Demais.
Existe uma parte das coisas que não são descritíveis.
Há o que se vê, o que se decodifica, o que se compõe, racionaliza-se, que se manifesta materialmente. E o resto. O resto é o sentido. E quando colocado assim, tenta-se descrever. E a descrição é absolutamente insuficiente. Não é o sentido do signo. Não aquilo que preenche nossa expectativa. Aquilo para o que não se pode ter expectativa, porque não se prevê, não se mensura. Que não está nas coisas, mas em uma brecha quase inexistente entre o que sai e o que chega. A brecha que está de uma forma diferente, individualmente distinta em cada sujeito. Que não pode ser, senão para cada um. Porque cada um se constituiu de forma inteiramente diferente. E a partir daí, o mundo passa a ser uma construção única, empírica e infinamente solitária. O sentido do mundo que é existir. E existir, que é uma experiência estritamente sua e minha e dele e dela. E nunca nossa. Apenas no sentido que existimos. E aí as coisas são bonitas. Demais.
8.14.2006
Voltar a escrever é quase como voltar a ver. Ver que o mundo não tem eixos definidos. E que quando mais uma suposta ordem se impõe às nossas impressões, mais ela está prestes a cair. E que o costume é quase igual ao vício. E que juíz0s de valores, quase sempre, representam fraquezas trajadas de prepotências. E que somos tão ruins e tão bons como quaisquer outros - o que quer que seja ser ruim ou seu bom.
Voltar a ver é bom! Depois disso é bom ir à praia.
Voltar a ver é bom! Depois disso é bom ir à praia.
2.28.2006
"O essencial eh a contigencia. O que quero dizer eh que, por definicao, a existencia nao eh a necessidade. Exisitir eh simplesmente estar aqui; os entes aparecem, deixam que os encontremos, mas nunca podemos deduzi-los. Creio que ha pessoas que compreenderam isso. So que tentaram superar essa contingencia inventando um ser necessario e causa de si proprio. Ora, nenhum ser necessario pode explicar a existencia: a contingencia nao eh uma ilusao, uma aparencia que se pode dissipar; eh o absoluto, por conseguinte, a gratuidade perfeita. Tudo eh gratuito: esse jardim, essa cidade e eu proprio." (Sartre, A Nausea)
Pois entao. Londres eh muito foda mesmo. Mas ta dentro do resto das coisas. Eh um lugar realmente surpreendente. Mas, `a medida que o tempo passa - e que fique claro que isso nao eh critica nem nada negativo, porque ainda estou gostando e me surpreendendo muito com as coisas - fica claro que coisas sao coisas, e embaixo das milhoes de camadas que se sobrepoem a cada uma delas, elas sao coisas. Cadeira, parque, rua, meio-fio, pessoas, roupas, computador, loja, vendedor, pessoas, pessoas, pessoas. As pessoas, essas podem ser muito surpreendentes ate voce conversar com elas. Porque elas sao pessoas e ser humano eh uma especie realmente universal. Todas na mesma funcao de sempre, em qualquer lugar do mundo.
Pois entao. Londres eh muito foda mesmo. Mas ta dentro do resto das coisas. Eh um lugar realmente surpreendente. Mas, `a medida que o tempo passa - e que fique claro que isso nao eh critica nem nada negativo, porque ainda estou gostando e me surpreendendo muito com as coisas - fica claro que coisas sao coisas, e embaixo das milhoes de camadas que se sobrepoem a cada uma delas, elas sao coisas. Cadeira, parque, rua, meio-fio, pessoas, roupas, computador, loja, vendedor, pessoas, pessoas, pessoas. As pessoas, essas podem ser muito surpreendentes ate voce conversar com elas. Porque elas sao pessoas e ser humano eh uma especie realmente universal. Todas na mesma funcao de sempre, em qualquer lugar do mundo.
2.08.2006
Despir-se
Sem pensar antes e depois. Simplesmente a pura sincronicidade das sensações. Os dois olhares, que se transformam em três e viram um. Emocionar-se sinceramente com um movimento e um som, uma palavra, uma cor e um rabisco qualquer. Às vezes esquecer padrões, referências e o auto-policiamento da inteligência-mor dos livros e dos autores e dos críticos e dos estudiosos e dos filósofos e dos intelectuais e dos acadêmicos e dos e dos e dos. Uma luz igual a de todos os dias, que não possui profundidade nem nada, apenas luz, amarela sobre os objetos, como todas, mas que ficou bonita no registro mental. A combinação perfeita de notas, perfeita por não ser teorizável, não se transformar em ensaio, não se relacionar com o sócio, nem com o político, nem com nada mais. A seqüência de imagens que não diz muita coisa, mas preenche um certo espaço quase esquecido em algum lugar de alguém. O silêncio mais ensurdecedor, vazio e sem significado, mas completo. Completo porque você quis, porque assim lhe pareceu, porque assim se tornou depois que lhe chegou. Perfeito pra mim, pra você e pra alguns. Pra outros não. Porque não é. Aprofundamentos da alma sem passar pelo racional. Uma boa música, segundos de observação, andar de bicicleta com o vento batendo no rosto, ver o sol encostando no asfalto e sentir que as coisas são. Como viver o presente sem notas de rodapé e sem referências bibliográficas no final do dia.
Sem pensar antes e depois. Simplesmente a pura sincronicidade das sensações. Os dois olhares, que se transformam em três e viram um. Emocionar-se sinceramente com um movimento e um som, uma palavra, uma cor e um rabisco qualquer. Às vezes esquecer padrões, referências e o auto-policiamento da inteligência-mor dos livros e dos autores e dos críticos e dos estudiosos e dos filósofos e dos intelectuais e dos acadêmicos e dos e dos e dos. Uma luz igual a de todos os dias, que não possui profundidade nem nada, apenas luz, amarela sobre os objetos, como todas, mas que ficou bonita no registro mental. A combinação perfeita de notas, perfeita por não ser teorizável, não se transformar em ensaio, não se relacionar com o sócio, nem com o político, nem com nada mais. A seqüência de imagens que não diz muita coisa, mas preenche um certo espaço quase esquecido em algum lugar de alguém. O silêncio mais ensurdecedor, vazio e sem significado, mas completo. Completo porque você quis, porque assim lhe pareceu, porque assim se tornou depois que lhe chegou. Perfeito pra mim, pra você e pra alguns. Pra outros não. Porque não é. Aprofundamentos da alma sem passar pelo racional. Uma boa música, segundos de observação, andar de bicicleta com o vento batendo no rosto, ver o sol encostando no asfalto e sentir que as coisas são. Como viver o presente sem notas de rodapé e sem referências bibliográficas no final do dia.
2.01.2006
Bombom de todo dia
Parei o dia
tirei a foto
perdi todo o resto
pensando em não esquecer
Esqueci o gosto
e o não-gosto
não gostar é suficiente para se formar a personalidade?
A enternidade me abafou como um saco plástico
Fiz um furo
Talvez a luz do dia me baste
para tudo o que eu preciso.
Preciso ficar são
só
de vez em quando
e no que sobra
pensar em nada nunca deixa de ser bom.
Bom se fosse a vida minha que eu levo.
E não o passado do mundo todo que carrego
encaixotado nas minhas memórias.
.
Parei o dia
tirei a foto
perdi todo o resto
pensando em não esquecer
Esqueci o gosto
e o não-gosto
não gostar é suficiente para se formar a personalidade?
A enternidade me abafou como um saco plástico
Fiz um furo
Talvez a luz do dia me baste
para tudo o que eu preciso.
Preciso ficar são
só
de vez em quando
e no que sobra
pensar em nada nunca deixa de ser bom.
Bom se fosse a vida minha que eu levo.
E não o passado do mundo todo que carrego
encaixotado nas minhas memórias.
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1.31.2006
...
Almoçou e parou. Zerando tudo, quanto de vida teria de verdade? As experiências acumuladas existiam ou foram vividas através de coisas que lhe eram externas? Promessas rasas e profundas de uma solidez que se dissipava no ar. Quando era jovem, pensou um dia que o mundo estava à sua frente. Naquele momento, depois daquele almoço, sentindo aquele suor lhe escorrendo da testa e irritando suavemente os olhos quando se precipitavam da pálpebra, percebeu que não. Nem tanto. O mundo não existia. Criou-se na sua cabeça, que formava imagens deslumbrantes - ou assustadoramente sombrias - do eterno próximo acontecimento. Pensou que, um dia após o outro, de todos os anos em que existiu até então, tudo não passou de uma grande balela. Sua existência era tão grandiosa quanto a de qualquer outra pessoa que estava viva naquele momento. O mundo deixou de existir. Sentiu um alívio. Suspirou leve e quase não conseguiu pensar mais, de tão cruamente que tudo passou a se oferecer para ele. Como uma mulher que acredita na maquiagem e se insinua para os homens que a olham, o mundo era essa mulher, mas agora desgastada com o tempo e o dia-a-dia modorrento, não precisava mais se enfeitar para enganar o olhar. Ele se encantou com o desencantador. Um momentozinho de alegria, daqueles que fazem algumas horas tornarem-se fascinantes. Agora sim.
Almoçou e parou. Zerando tudo, quanto de vida teria de verdade? As experiências acumuladas existiam ou foram vividas através de coisas que lhe eram externas? Promessas rasas e profundas de uma solidez que se dissipava no ar. Quando era jovem, pensou um dia que o mundo estava à sua frente. Naquele momento, depois daquele almoço, sentindo aquele suor lhe escorrendo da testa e irritando suavemente os olhos quando se precipitavam da pálpebra, percebeu que não. Nem tanto. O mundo não existia. Criou-se na sua cabeça, que formava imagens deslumbrantes - ou assustadoramente sombrias - do eterno próximo acontecimento. Pensou que, um dia após o outro, de todos os anos em que existiu até então, tudo não passou de uma grande balela. Sua existência era tão grandiosa quanto a de qualquer outra pessoa que estava viva naquele momento. O mundo deixou de existir. Sentiu um alívio. Suspirou leve e quase não conseguiu pensar mais, de tão cruamente que tudo passou a se oferecer para ele. Como uma mulher que acredita na maquiagem e se insinua para os homens que a olham, o mundo era essa mulher, mas agora desgastada com o tempo e o dia-a-dia modorrento, não precisava mais se enfeitar para enganar o olhar. Ele se encantou com o desencantador. Um momentozinho de alegria, daqueles que fazem algumas horas tornarem-se fascinantes. Agora sim.