7.02.2016

costume

ele trocou de óculos, agora eles são de um plástico que brilha, reluz a luz que encosta neles.
as lentes são um pouco menores, preço bom, feitura rápida. praticidade moderna, contemporânea, desenvolvida, de primeiro mundo.

desde então, parece que não consegue ver muito bem. enquanto caminha, o piso se distancia, ele se mareia, tropeça. precisa parar para respirar e pensa:

é preciso olhar apenas para um ponto, sempre o mesmo ponto, nunca se esqueça. assim, quem sabe, a vista se acostuma.
 
já faz uma semana, a vista não se acostumou. 
mas vê tão mais nítido e, ao mesmo tempo, não vê mais nada.
é a lição do cinema: quanto mais nitidez, menos se enxerga. a potência da visão é a medida inversa do tamanho da nossa alma.

esses dias ele sabe muito bem disso: olhar não significa muita coisa. cada vez mais ele se pega questionando:

"onde está o que eu vejo?"

não sabe mais delimitar espaço, nem tempo, nem começo nem fim. perdeu as referências. será que o que deixou de ver deixou de existir? ou apenas saiu de foco? ele não vê nada, mas se move assim mesmo.

é preciso olhar apenas para um ponto, sempre o mesmo ponto.
quem sabe a vista não se acostuma?

um exercício diário, imposto pelos olhos, pelos óculos, pela globalização, mobilidade, e o capitalismo avançado. precisava trocar de óculos?

"eu tinha tanto amor por aquilo que eu via antes."

deixar de ver é perder o mundo?
agora, ele anda por aí, sem chão, tentando olhar pro mesmo ponto. quem sabe assim não se acostuma?

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