5.06.2009

Sobre o tempo


Um mês no Japão.

Na atividade do relógio, as memórias vão ficando cada vez mais consolidadas. O espírito está por aí, de carne e osso. Cada passagem finca um pouco mais fundo a memória. A imaginação da distinção entre corpo e espírito é colocada à prova todo o dia aqui: acho que existe, mas luto por que, de fato, não há. Fico na teimosia de não me deixar levar.

Diria: "estou aqui". Mas meu impulso primeiro é: "estou lá". Misturo a visão com a imaginação, e, por vezes, sinto o vento um pouco mais quente e o ar um pouco mais salgado. Hoje sonhei com Mauá ao som da voz dos amigos. O pensamento - e o espírito, e o corpo, por que não? - falam um português bonito e límpido. Quando mudo o idioma, encontro-me numa mímica estranha de mim mesmo. Porém, sempre me lembro: essa mímica ainda sou eu.

Contudo, não consigo deixar de olhar o relógio. O tempo virou meu companheiro mais íntimo: espreito-o a toda hora, e converso com ele quando estou em casa. Como se sentisse o passar dos dias no ar, nos pulmões (inspirar e expirar) e nos meus pés. Como se pudesse andar o tempo: empurrá-lo pra trás com meus passos. Aqui o tempo virou espaço. Mas, de alguma forma, fora de mim. O tempo, nesse um mês, saiu e tomou conta do que me cerca - mas não se encontra mais em mim. Então eu vejo o tempo, quase toco, mas ele não me toca.

Todo dia, ainda tenho um estranhamento: mas será que estou aqui? Parece algo ilusório, uma brincadeira estranha. Como se o real tivesse ficado me esperando no Rio... Deixei o meu tempo lá, deitado na minha cama, andando pelas ruas. Aqui ele passa na minha frente, ao meu lado, rebate. Eu o empurro: quero meu tempo, mas ele se encontra tão longe...



(Joaquim Távora, Icaraí)

Dormindo, descansando e tomando sol.

2 comments:

Anonymous said...

"Tudo o que em mim sente está pensando." é do F. Pessoa.


beijos!

Anonymous said...

eu, fernanda, que escrevi o comentario anterior! hehe