O sol esquenta às vezes. Noutras, ele é como uma sombra sem o escuro. Claridade para se ver: a pele ainda trinca e a perna treme.
A comida é boa, suficiente. E a conversa flui - às vezes passa rente aos ouvidos, mas isso já pode ser bastante para se esvaziar a mente. Inúmeras vezes fico parado, fingindo ouvir as frases, sem o menor interesse no conteúdo. Concentro-me nos gestos, e no mover das minhas mãos em diração ao prato.
***
É estranho como não consigo estar aqui o tempo inteiro. Assim, estando inteiro. Uma parte sempre escapa, escorrega pela frestinha que fica aberta nas horas mais inusitadas. Escapo assim, sem ruídos, mudo num encantamento esquisito que me prende aqui, deixando-me livre para não estar quando assim não me apraz. "Mas aqui não estou", sempre me vem essa intuição.
Lá, o oposto. Desde o acordar até o dormir, a única certeza que tinha - e terei sempre, suspeito - é de que lá estou a todo momento. Vôo livre e descuidado pelos mais espaços e tempos imaginários: porque nada me prende, mas solta-me para escolher lá estar o tempo todo. Aquela sensação me apraz, como se assim, estando inteiro, só assim, pudesse estar metade, um quarto, quantos fragmentos fossem, espalhados pelo ar, na certeza de alguma unidade que os une. Como nunca acreditei na liberdade, encontro a satisfação no pertencimento: um pouquinho de mim espalhado pelo vento. Lá, na casa, não me ocupo de mim jamais. Posso ser, desse jeito, puro esquecimento - sensação única e valiosa.
5.31.2009
5.27.2009
Fora das expectativas habituais, o hábito ainda não lhe saiu do corpo. Ele anda pelas ruas, mas sente nos seus póros a ausência de algo que ali não se encontra.
Estranhamente, apesar de todos os clichês do novo, sentia que quanto mais se movia, mais estagnado se encontrava.
Quase compulsivamente, buscava encaixar seu corpo e seu hábito na nova forma e no novo ar que lhes eram impostos. Talvez estivesse por demais acostumado a algo que lhe seria muito peculiar. Aquela alegria toda não pode ser achada em qualquer canto. Mas seria então aquele o canto que lhe aprazia: ali deveria estar, não importassem as condições.
Não via a hora de se mover novamente...
Estranhamente, apesar de todos os clichês do novo, sentia que quanto mais se movia, mais estagnado se encontrava.
Quase compulsivamente, buscava encaixar seu corpo e seu hábito na nova forma e no novo ar que lhes eram impostos. Talvez estivesse por demais acostumado a algo que lhe seria muito peculiar. Aquela alegria toda não pode ser achada em qualquer canto. Mas seria então aquele o canto que lhe aprazia: ali deveria estar, não importassem as condições.
Não via a hora de se mover novamente...
5.10.2009
Domingo Nostálgico
Retirado de um distante texto de uma distante Juju, nos idos de 2007, nos confins de uma Alemanha quase Japão:
"Quero saber de amanhã, não quero saber de oceano. Quero Dezembro e Carnaval. Nunca achei que fosse querer isso."
Só temos soluções, sempre. E elas sempre vêm acompanhadas de tantas coisas: penduricalhos bons, feitos de boas, extensas, profundas, rasas e macias palavras, abraços e afetos. Corremos atrás o tempo todo dos problemas (eu sei que isso pode parecer clichê, mas é essa a impressão do momento).
*
As cidades em mim
A cidade aqui funciona como um mecanismo correto. As pessoas vestem ternos, trabalham de manhã até à noite. Embriagam-se e ficam felizes para pegar o trem e voltar no dia seguinte. As meninas e os meninos se vestem impecáveis. Andam com seus celulares à mão. Comunicam-se intensamente até o momento em que se encontram. Agradecem, desculpam-se, escondem-se embaixo dos seus cabelos complexos e empinados. Os carros andam na velocidade esperada, param no sinal, continuam, nunca estacionam (aonde vão todos eles quando não estão em movimento?). Os prédios - perfeitos como todo o resto - ao cair da noite, colocam suas roupas contemporâneas e deixam deslizar os letreiros, as imagens, as grandes placas de luzes - azuis, vermelhas, brancas, amarelas. As lojas vendem, as pessoas compram. Elas fumam nos lugares permitidos e desculpam-se quando se esbarram. Elas quase nunca se esbarram - mas são tantas! (Como conseguem?).
A grande máquina perfeita.
Enquanto isso, do outro lado, um sobressalto e outro do grande caos urbano: a máquina se lembra de que é máquina. Nos intervalos - longos e expansivos - as pessoas respiram com apuro, olham bem pras outras, e sentam na mesa pra bater um papo. Estão na máquina desnudada: tempo suficiente para se esquecerem e se enredarem.
A máquina é ótima, mas ela pode se desmantelar toda naquela mesa de bar. Assim é possível juntar novamente suas peças e contruir um novo mecanismo. Em mim, não aparo as arestas, nunca: deixo elas se colidirem e encontrarem seu encaixe. (Talvez por isso eu prefira o Rio).
Retirado de um distante texto de uma distante Juju, nos idos de 2007, nos confins de uma Alemanha quase Japão:
"Quero saber de amanhã, não quero saber de oceano. Quero Dezembro e Carnaval. Nunca achei que fosse querer isso."
Só temos soluções, sempre. E elas sempre vêm acompanhadas de tantas coisas: penduricalhos bons, feitos de boas, extensas, profundas, rasas e macias palavras, abraços e afetos. Corremos atrás o tempo todo dos problemas (eu sei que isso pode parecer clichê, mas é essa a impressão do momento).
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As cidades em mim
A cidade aqui funciona como um mecanismo correto. As pessoas vestem ternos, trabalham de manhã até à noite. Embriagam-se e ficam felizes para pegar o trem e voltar no dia seguinte. As meninas e os meninos se vestem impecáveis. Andam com seus celulares à mão. Comunicam-se intensamente até o momento em que se encontram. Agradecem, desculpam-se, escondem-se embaixo dos seus cabelos complexos e empinados. Os carros andam na velocidade esperada, param no sinal, continuam, nunca estacionam (aonde vão todos eles quando não estão em movimento?). Os prédios - perfeitos como todo o resto - ao cair da noite, colocam suas roupas contemporâneas e deixam deslizar os letreiros, as imagens, as grandes placas de luzes - azuis, vermelhas, brancas, amarelas. As lojas vendem, as pessoas compram. Elas fumam nos lugares permitidos e desculpam-se quando se esbarram. Elas quase nunca se esbarram - mas são tantas! (Como conseguem?).
A grande máquina perfeita.
Enquanto isso, do outro lado, um sobressalto e outro do grande caos urbano: a máquina se lembra de que é máquina. Nos intervalos - longos e expansivos - as pessoas respiram com apuro, olham bem pras outras, e sentam na mesa pra bater um papo. Estão na máquina desnudada: tempo suficiente para se esquecerem e se enredarem.
A máquina é ótima, mas ela pode se desmantelar toda naquela mesa de bar. Assim é possível juntar novamente suas peças e contruir um novo mecanismo. Em mim, não aparo as arestas, nunca: deixo elas se colidirem e encontrarem seu encaixe. (Talvez por isso eu prefira o Rio).
5.08.2009
5.07.2009
Da janela, umas nuvens escuras.
São 4, 5, 6, 7, 8 horas. O dia vai passando, e lá estão as nuvens escuras.
Preciso de um som, um barulho ensurdecedor.
Mas tenho apenas essas nuvens escuras. O ar é gelado, mais uma vez, e a pele trinca com as lufadas de vento.
À meia-noite, seguro a caneca de chá. Já não vejo mais as nuvens. A cidade se iluminou - mas não ficou bela.
São 4, 5, 6, 7, 8 horas. O dia vai passando, e lá estão as nuvens escuras.
Preciso de um som, um barulho ensurdecedor.
Mas tenho apenas essas nuvens escuras. O ar é gelado, mais uma vez, e a pele trinca com as lufadas de vento.
À meia-noite, seguro a caneca de chá. Já não vejo mais as nuvens. A cidade se iluminou - mas não ficou bela.
5.06.2009
Sobre o tempo
Um mês no Japão.
Na atividade do relógio, as memórias vão ficando cada vez mais consolidadas. O espírito está por aí, de carne e osso. Cada passagem finca um pouco mais fundo a memória. A imaginação da distinção entre corpo e espírito é colocada à prova todo o dia aqui: acho que existe, mas luto por que, de fato, não há. Fico na teimosia de não me deixar levar.
Diria: "estou aqui". Mas meu impulso primeiro é: "estou lá". Misturo a visão com a imaginação, e, por vezes, sinto o vento um pouco mais quente e o ar um pouco mais salgado. Hoje sonhei com Mauá ao som da voz dos amigos. O pensamento - e o espírito, e o corpo, por que não? - falam um português bonito e límpido. Quando mudo o idioma, encontro-me numa mímica estranha de mim mesmo. Porém, sempre me lembro: essa mímica ainda sou eu.
Contudo, não consigo deixar de olhar o relógio. O tempo virou meu companheiro mais íntimo: espreito-o a toda hora, e converso com ele quando estou em casa. Como se sentisse o passar dos dias no ar, nos pulmões (inspirar e expirar) e nos meus pés. Como se pudesse andar o tempo: empurrá-lo pra trás com meus passos. Aqui o tempo virou espaço. Mas, de alguma forma, fora de mim. O tempo, nesse um mês, saiu e tomou conta do que me cerca - mas não se encontra mais em mim. Então eu vejo o tempo, quase toco, mas ele não me toca.
Todo dia, ainda tenho um estranhamento: mas será que estou aqui? Parece algo ilusório, uma brincadeira estranha. Como se o real tivesse ficado me esperando no Rio... Deixei o meu tempo lá, deitado na minha cama, andando pelas ruas. Aqui ele passa na minha frente, ao meu lado, rebate. Eu o empurro: quero meu tempo, mas ele se encontra tão longe...
(Joaquim Távora, Icaraí)
Dormindo, descansando e tomando sol.
Um mês no Japão.
Na atividade do relógio, as memórias vão ficando cada vez mais consolidadas. O espírito está por aí, de carne e osso. Cada passagem finca um pouco mais fundo a memória. A imaginação da distinção entre corpo e espírito é colocada à prova todo o dia aqui: acho que existe, mas luto por que, de fato, não há. Fico na teimosia de não me deixar levar.
Diria: "estou aqui". Mas meu impulso primeiro é: "estou lá". Misturo a visão com a imaginação, e, por vezes, sinto o vento um pouco mais quente e o ar um pouco mais salgado. Hoje sonhei com Mauá ao som da voz dos amigos. O pensamento - e o espírito, e o corpo, por que não? - falam um português bonito e límpido. Quando mudo o idioma, encontro-me numa mímica estranha de mim mesmo. Porém, sempre me lembro: essa mímica ainda sou eu.
Contudo, não consigo deixar de olhar o relógio. O tempo virou meu companheiro mais íntimo: espreito-o a toda hora, e converso com ele quando estou em casa. Como se sentisse o passar dos dias no ar, nos pulmões (inspirar e expirar) e nos meus pés. Como se pudesse andar o tempo: empurrá-lo pra trás com meus passos. Aqui o tempo virou espaço. Mas, de alguma forma, fora de mim. O tempo, nesse um mês, saiu e tomou conta do que me cerca - mas não se encontra mais em mim. Então eu vejo o tempo, quase toco, mas ele não me toca.
Todo dia, ainda tenho um estranhamento: mas será que estou aqui? Parece algo ilusório, uma brincadeira estranha. Como se o real tivesse ficado me esperando no Rio... Deixei o meu tempo lá, deitado na minha cama, andando pelas ruas. Aqui ele passa na minha frente, ao meu lado, rebate. Eu o empurro: quero meu tempo, mas ele se encontra tão longe...
(Joaquim Távora, Icaraí)
Dormindo, descansando e tomando sol.
5.01.2009
Niterói
Para não desfacelar a face de uma cidade, aparar suas arestas. Recostar nos seus cantos, suas esquinas. Calcular os passos de vez em quando. Sair para andar, tracejar novos espaços. Desfazer, refazer, desconstruir os mapas. Pela mesma rua, em outra calçada. Cada rua tem mil calçadas. E cada calçada, outros mil caminhos.
Parar a cada minuto, virar as costas e reconsiderar as possibilidades. Fazer rotinas e desmantelá-las. Uma a cada cinco dias. Depois voltar, o tempo todo. Ouvir suas conversas e descascar as suas camadas.
"Vamos tomar um café?" Dois, três. Quantos cigarros forem necessários. Depois percorrer os seus vincos todos. Aqueles viciados e aqueles renovados. Adentrar a noite.
Sem surpresas, mas um frescor de brisa de fim de tarde.
Não devemos plastificar as experiências.
***
Em Kyoto, percebo Niterói.
Estranha essa sensação.
Coletei cinco imagens na internet, mas nenhuma é Niterói. Todas mentem ao dizer serem.
Para não desfacelar a face de uma cidade, aparar suas arestas. Recostar nos seus cantos, suas esquinas. Calcular os passos de vez em quando. Sair para andar, tracejar novos espaços. Desfazer, refazer, desconstruir os mapas. Pela mesma rua, em outra calçada. Cada rua tem mil calçadas. E cada calçada, outros mil caminhos.
Parar a cada minuto, virar as costas e reconsiderar as possibilidades. Fazer rotinas e desmantelá-las. Uma a cada cinco dias. Depois voltar, o tempo todo. Ouvir suas conversas e descascar as suas camadas.
"Vamos tomar um café?" Dois, três. Quantos cigarros forem necessários. Depois percorrer os seus vincos todos. Aqueles viciados e aqueles renovados. Adentrar a noite.
Sem surpresas, mas um frescor de brisa de fim de tarde.
Não devemos plastificar as experiências.
***
Em Kyoto, percebo Niterói.
Estranha essa sensação.
Coletei cinco imagens na internet, mas nenhuma é Niterói. Todas mentem ao dizer serem.