9.14.2003

SE VOCÊ PUDER

Ele pensava que, certamente, nada ia fazer diferença. Tudo que tentasse fazer, certamente, não seria notado nem pela mosca que insistia em atrapalhá-lo, ao voar entre o alfinete e seu dedo. O zumbido já estava deixando-o louco.

A lista telefônica. Amarela e muito espessa. Tantas páginas para quê? Pensando bem, chegou à conclusão que podia contar nos dedos o número de vezes que já havia recorrido às suas linhas apertadas para alguma coisa. Pizzaria, dentista e um caso fracassado. Pegou o livro e, produzindo um barulho ensurdecedor dentro do seu minúsculo quarto, espremeu o inseto contra a superfície branca de sua escrivaninha.

Merda, achava que não ia mais precisar limpar. Abriu a garrafa de álcool, derramou uma quantidade que poderia facilmente limpar a mesa toda, passou o pano com uma obstinação estranha, até achar que a pequena mancha deixada pela mosca estava completamente sumida.

Agora sim! Retomou novamente o alfinete. Estava ansioso. Suava discretamente. Um suor que lhe incomodava, mas que não o interromperia. Observava a palma de sua mão. Agora o dedo. Era dividido em três partes, por riscos que ficavam na altura das articulações. Fez um pequeno furo na divisão superior, bem no centro. Saiu um pouco de sangue, mas tão pouco que não o satisfez. A dor, praticamente imperceptível. Introduziu de novo o alfinete, agora um pouco mais profundamente, e rodou, como para alargar a perfuração. O sangue escorria mais, e pingava quando chegava na altura do seu pulso, caindo sobre sua escrivaninha branca. Com a outra mão, ele limpava freneticamente as manchas vermelhas sobre a fórmica.

A felicidade - ou a tristeza, sentimentos indissociáveis em sua vida - era tão doentia que cansava.

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