perdi minha palavras no
meio do meu dia
perdi nas páginas
cheias de palavras
inúteis
obscenas
imorais
palavras-merda
palavras-sujas
palavras escrotas que
não merecem ser ditas
escritas
enunciadas
assim, perdi pra sempre
aquela palavra dourada
bonitinha
cheia de graça
redonda e encantada
perdi aquela palavra no
meio de tantas palavras
minha vida não dá
livro não dá poesia não dá
porra nenhuma
um artigo acadêmico
talvez
escroto
escuro
escuso
cinza com as bordas
corroídas
com prêmios e o
caralho
a quatro
mas porra nenhuma
porra nenhuma
porra nenhuma
de literatura
de coisa assim
grande
coisa assim
importante
coisa assim
que faz alguém se
matar
alguém chorar
alguém escrever
coisa nenhuma essa
merda de vida mesquinha
sai pra dançar
enche a cara
e pensa
“como sou grande”
vai pra casa e senta e
se sente
satisfeita
linda, bonita, esbelta,
elegante
“intelectual”
essa vida balança a
cabeça e pensa que é grande
essa vida balança a
cabeça e pensa que é vida
cheia de palavras
polidas, limpas, vazias de porra de verdade
me afogou
- ai que saudade de
respirar.