8.26.2009

Sigo me assustando. Não está aí para o meu controle, essa coisa de ser tempo. De sermos ele e, dei-me conta, só ele. Ao tentar manipulá-lo, já fracasso. Preciso ser todo, e não ser nem um pouco aquilo que não é da sua ordem. Deixar-me no seu espaço, assim flácido, elástico, assim tão pouco sólido. De sólido já há tanto! Que tudo mais esteja para além do meu domínio. É um trabalho da memória, essa que se coloca para adiante e me deixa torpe ao já ser meu passado imaginado. Pergunto-lhe quem poderia ser? Impressiono-me sempre quando me vem tão alheio ao que poderia ter pensado. O tempo não se pensa. Fico num estado de pura euforia vazia. Quero preencher-lhe os buracos, mas com isso me ponho num trabalho estúpido, em vão. Necessito adentrá-lo com menos cuidado. Não tomar conta das palavras: não se trata de palavras. Trabalho árduo de não trabalhar, quando tudo me põe assim, num estado produtivo. Besta produtividade. Essa mascara um outro lado: o de não haver lados a serem mascarados. Vai-se sendo tempo toda vida.

8.22.2009

Para não me repetir demasiado, pus-me no deslocamento.
Tomei um avião e atravessei muitos mil quilômetros.
Mas, ah, que equívoco!
A viagem serve pra voltar.

Percebi que o pensamento (corpo) não necessita se deslocar no espaço a tantas léguas. Basta olhar quieto e seguir um certo movimento sutil. Não prescinde do espaço: só que não é tão literal e tão óbvio. É um espaço outro, menos afeito às turbinas dos aviões e aos trilhos dos metrôs. Mas colado a mil outras coisas, assim, em encantamento, muito distanciado do espanto fácil do novo.

8.10.2009

Vontade de vomitar uma imagem sem nada.

Já perdi o andar da carruagem, mas sigo catando a poeirinha que indica sua passagem. No rastro, o melhor - em processo de decantação.


Vontade de um mover de mãos dentro de uma tela. Saudade de cortar e colar. Falar, falar, falar.

8.09.2009

Há dias para se escrever. Não escrever o dia, descrevê-lo, elogiá-lo ou narrá-lo. A escrita funciona como uma extensão de um vazio, assumindo sempre que esse espaço não será ocupado. Não seria sequer um espaço, mas um impulso. Não se escreve para preencher um vazio. Isso é tarefa frustrada - ou, quem sabe, escrita frustrada. Eu, em palavras não-lidas, escrevo como para estender um estado, fazê-lo existir, ou existir nele com mais presença. Como uma percepção, lampejo que é quase material. Escrevo, então. Não são bem as palavras, muito menos as imagens que elas podem evocar. Deve haver em algum lado uma meia-fase, onde se consiga encontrar alguma coisa tão própria da palavra, além do seu som e aquém do seu significado. É disso que se trata, ao menos para mim, esse estado de escrita. Fico horas remoendo uns pensamentos difusos, alguns estados latentes, umas inclinações esparramadas: são essas as horas das palavras. E, apesar de tudo, já parto de um engano rotundo. Pois sim, estão aí símbolos enfileirados, prontos para serem decodificados em significados. O bom seria fazer dançar essas estabilidades.

Contudo, já tenho alguma resposta. A palavra é minha. Essa, em português. Estando rodeado de tantas outras, flutuo num sem-chão. Hoje senti o português brotar no meu pensamento, pulular na minha boca. Não queria japonês, nem espanhol, nem inglês. Para poder retirar a palavra da sua certeza com alguma graça, necessito antes sabê-la toda minha, dentro de um território seguro. Tenho relação certa com essas que me trazem afeto, o português que me moveu por anos e que faz alguma ponte da visão com a minha imaginação. Só me dei conta aqui. Leio Guimarães Rosa, Fernando Pessoa e Saramago, em pleno Japão, e eles me parecem quase metafísicos, de tanto que compreendi - creio - o pathos de uma língua.

E por isso hoje senti que devia escrever. Por ter percebido que, em português, escrevo muito mais do que para comunicar. Necessidade de escrever sem descrever.

No canto esquerdo inferior, uma data: 31/3/2009, 23h37. Detalhado até os minutos. Salteando pela memória, achei uma imagem assim, escura, noturna, gente relaxada conversando, bebendo. Todos absolutamente entretidos com suas vidas. É uma rua, há uma marquise e luz branca que ilumina uma faixa da fotografia. Há um senhor, pernas cruzadas, tronco levemente inclinado para a sua esquerda. Ele fala e pouco gesticula. Sugeriria que ouve mais do que pronuncia. Observa com atenção. É terça-feira e deu-se ao direito de ir tomar uma cerveja no bar da esquina.

Na imagem, uma esquina. Ocupada, gente conversando. Gente e esquina (repito algumas vezes o par). A memória não me falha na imagem. Sobreponho imagem e imaginação, e olho para frente, através da janela. A diferença é abrupta e me ponho absorto em pensamentos tão óbvios que me causam pena de mim mesmo. "Que ridículo!". Tenho a imagem pra me dar conta, pra não me esquecer. Do pátio imenso e largo que é, minha memória me coloca tão mais nesse presente que se arrasta com o calor úmido dos dias.

Para isso, a palavra não basta. Tampouco a imagem. Sigo tentando uma instalação segura no intervalo entre as duas coisas. Ai, que bom seria poder. Da varandinha, empurro os pensamentos pra longe, num método estranho da vontade de dizer o indizível. E, ademais, a quem?

Saudades desse devir imperceptível.

8.03.2009

A escada era de mármore e exalava um cheiro entre nauseante e muito agradável. O hall de entrada - uma pequena área, antes um vestíbulo - também tinha seu piso todo de mármore, que se estendia pelos três lances de escada. A pedra branca tinha umas pequenas rachaduras, e compunha um padrão xadrez com as placas de pedra preta que se intercalavam. Sempre que passava do portão da rua e aí entrava, o cheiro tão forte me lembrava algo próximo de um açougue para, no momento seguinte, transformar-se em um aroma de pedra refrescante, que me dava muito prazer. Talvez, acima de tudo, o prazer de estar de volta. Sempre era recebido nas minhas chegadas pelos degraus brancos. Não importava o calor da rua, nunca era desagradável voltar para casa.