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Almoçou e parou. Zerando tudo, quanto de vida teria de verdade? As experiências acumuladas existiam ou foram vividas através de coisas que lhe eram externas? Promessas rasas e profundas de uma solidez que se dissipava no ar. Quando era jovem, pensou um dia que o mundo estava à sua frente. Naquele momento, depois daquele almoço, sentindo aquele suor lhe escorrendo da testa e irritando suavemente os olhos quando se precipitavam da pálpebra, percebeu que não. Nem tanto. O mundo não existia. Criou-se na sua cabeça, que formava imagens deslumbrantes - ou assustadoramente sombrias - do eterno próximo acontecimento. Pensou que, um dia após o outro, de todos os anos em que existiu até então, tudo não passou de uma grande balela. Sua existência era tão grandiosa quanto a de qualquer outra pessoa que estava viva naquele momento. O mundo deixou de existir. Sentiu um alívio. Suspirou leve e quase não conseguiu pensar mais, de tão cruamente que tudo passou a se oferecer para ele. Como uma mulher que acredita na maquiagem e se insinua para os homens que a olham, o mundo era essa mulher, mas agora desgastada com o tempo e o dia-a-dia modorrento, não precisava mais se enfeitar para enganar o olhar. Ele se encantou com o desencantador. Um momentozinho de alegria, daqueles que fazem algumas horas tornarem-se fascinantes. Agora sim.