10.05.2005

Organizando o dia-a-dia

Você sente e você sonha. Paisinho subdesenvolvido de merda. Devia virar um advogadozinho qualquer e ganhar muito dinheiro. Preciso voltar a pensar sobre o que me faz feliz. Afinal, vai tomar no cu todo mundo! Com essa pressão toda eu não consigo nem respirar. Pensa mais um pouco, agora de leve. Respira o ar da rua e olha um pouco pro céu. O dia tá bonito, e as pessoas são banais. Por que eu não posso ser também? Ah, vai pra porra com esse papo de qualquer coisa. Um dia, eu quis, achei que seria bom. Achei que seria possível. Um dia, o mundo esteve todo, redondinho, azulzinho, aos meus pés. Agora, se fode! Racha a cara até sangrar tudo!... Daqui a pouco, vou ficar ali, sentado no sofá, esperando o programa acabar pra ir dormir e esperar não morrer antes de acordar. Será? Espero que sim, sinal de inteligência. Pensar só dá fome. E eu tô cansado de ter fome. Pra puta que o pariu com o sentido da vida. Eu quero é morrer logo pra acabar com isso. Felicidade não existe nem em bula de remédio. Uma merda em cima da outra. É isso que sobra. Já que cagaram tudo em cima de mim, deixa eu cagar um pouco em cima dos outros. Agora, deixa eu ficar em paz, que um dia acaba. E até lá, não sei.
À vida feliz


A conversa acabou ali. Não tinha jeito. Ela saiu correndo e se escondeu em um canto, embaixo da prateleira que ficava no fim do corredor. Eu, fingindo não me importar nem um pouco, prendi a respiração e desci a escada até a rua. A noite estava fria e limpa. Pensei que podia morrer, um pouco antes dos pensamentos me fugirem todos da cabeça, que ficou vazia. Ser idiota, às vezes, é um privilégio pouco valorizado.

Acordei no dia seguinte, no meu quarto. Quarto pequeno e bagunçado. Prefiro andar na rua a ficar aqui. Andei por umas três horas. Repeti várias vezes o mesmo caminho. Andar sem ver, repassar em ruas mais de uma vez, é uma prática boa para organizar os pensamentos. A vida, muitas vezes, não está em você. Quase sempre. Naquele momento, menos ainda. O vazio podia, quem sabe, ser preenchido com as imagens repetidas. Carro. Azul, preto, branco, vermelho. Nunca amarelo. Cachorro, gato, velhos conversando (como eles conseguem?). Bêbado, criança, mulher fumando na porta da loja, garoto correndo, dois amigos conversando. E repete tudo. Mais uma vez. Sem parar. Espero o dia acabar pra sentir o gosto de que as coisas não se renovam.

À noite, de novo. Chego no meu quarto. O mesmo de quando saí. Preciso me livrar dos pequenos aprisionamentos. Nessas horas começo a sentir falta das palavras simples que podem sair da sua boca. Mas, de que adianta? Ontem você se encolheu e eu saí como um cachorro assustado. Amanhã, a rua vai ser repetida, e eu não vou querer olhar. Em algum momento, as coisas terminam. E para onde? A poesia, infelizmente, eu joguei no lixo. Ficou abandonada aquela noite, embaixo da prateleira no fim do corredor. A noite fria e linda pode virar dia e eu não vou nem notar. Porque não precisa. Ela fica bem e acontece mesmo sem mim. Será que eu estou pronto para não ficar?

Dormi.


...


Nunca esperaria te rever naquele lugar. Depois de meses, já tinha engolido tudo que eu poderia, um dia, querer sentir. Entrando no bar, às 11 da manhã, daquele dia tão normal que dava vontade de vomitar. Segurei a respiração e me policiei. Mas, no final, não. Você passou, me cumprimentou e eu só senti a brisa do seu corpo me tocar de leve. E nada mais.