Sobre o tempo
Um mês no Japão.
Na atividade do relógio, as memórias vão ficando cada vez mais consolidadas. O espírito está por aí, de carne e osso. Cada passagem finca um pouco mais fundo a memória. A imaginação da distinção entre corpo e espírito é colocada à prova todo o dia aqui: acho que existe, mas luto por que, de fato, não há. Fico na teimosia de não me deixar levar.
Diria: "estou aqui". Mas meu impulso primeiro é: "estou lá". Misturo a visão com a imaginação, e, por vezes, sinto o vento um pouco mais quente e o ar um pouco mais salgado. Hoje sonhei com Mauá ao som da voz dos amigos. O pensamento - e o espírito, e o corpo, por que não? - falam um português bonito e límpido. Quando mudo o idioma, encontro-me numa mímica estranha de mim mesmo. Porém, sempre me lembro: essa mímica ainda sou eu.
Contudo, não consigo deixar de olhar o relógio. O tempo virou meu companheiro mais íntimo: espreito-o a toda hora, e converso com ele quando estou em casa. Como se sentisse o passar dos dias no ar, nos pulmões (inspirar e expirar) e nos meus pés. Como se pudesse andar o tempo: empurrá-lo pra trás com meus passos. Aqui o tempo virou espaço. Mas, de alguma forma, fora de mim. O tempo, nesse um mês, saiu e tomou conta do que me cerca - mas não se encontra mais em mim. Então eu vejo o tempo, quase toco, mas ele não me toca.
Todo dia, ainda tenho um estranhamento: mas será que estou aqui? Parece algo ilusório, uma brincadeira estranha. Como se o real tivesse ficado me esperando no Rio... Deixei o meu tempo lá, deitado na minha cama, andando pelas ruas. Aqui ele passa na minha frente, ao meu lado, rebate. Eu o empurro: quero meu tempo, mas ele se encontra tão longe...
(Joaquim Távora, Icaraí)
Dormindo, descansando e tomando sol.
2 comments:
"Tudo o que em mim sente está pensando." é do F. Pessoa.
beijos!
eu, fernanda, que escrevi o comentario anterior! hehe
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