8.09.2009

Há dias para se escrever. Não escrever o dia, descrevê-lo, elogiá-lo ou narrá-lo. A escrita funciona como uma extensão de um vazio, assumindo sempre que esse espaço não será ocupado. Não seria sequer um espaço, mas um impulso. Não se escreve para preencher um vazio. Isso é tarefa frustrada - ou, quem sabe, escrita frustrada. Eu, em palavras não-lidas, escrevo como para estender um estado, fazê-lo existir, ou existir nele com mais presença. Como uma percepção, lampejo que é quase material. Escrevo, então. Não são bem as palavras, muito menos as imagens que elas podem evocar. Deve haver em algum lado uma meia-fase, onde se consiga encontrar alguma coisa tão própria da palavra, além do seu som e aquém do seu significado. É disso que se trata, ao menos para mim, esse estado de escrita. Fico horas remoendo uns pensamentos difusos, alguns estados latentes, umas inclinações esparramadas: são essas as horas das palavras. E, apesar de tudo, já parto de um engano rotundo. Pois sim, estão aí símbolos enfileirados, prontos para serem decodificados em significados. O bom seria fazer dançar essas estabilidades.

Contudo, já tenho alguma resposta. A palavra é minha. Essa, em português. Estando rodeado de tantas outras, flutuo num sem-chão. Hoje senti o português brotar no meu pensamento, pulular na minha boca. Não queria japonês, nem espanhol, nem inglês. Para poder retirar a palavra da sua certeza com alguma graça, necessito antes sabê-la toda minha, dentro de um território seguro. Tenho relação certa com essas que me trazem afeto, o português que me moveu por anos e que faz alguma ponte da visão com a minha imaginação. Só me dei conta aqui. Leio Guimarães Rosa, Fernando Pessoa e Saramago, em pleno Japão, e eles me parecem quase metafísicos, de tanto que compreendi - creio - o pathos de uma língua.

E por isso hoje senti que devia escrever. Por ter percebido que, em português, escrevo muito mais do que para comunicar. Necessidade de escrever sem descrever.

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