6.09.2009

Imaginação da cidade


Imagino uma cidade. Ela tem luzes e árvores que se esparramam pelas ruas. À noite ela cresce e engole todos os meus pensamentos. As suas bordas são como linhas borradas - porém nítidas aos olhos atentos - que não conseguem separar o fora do dentro. Tudo ali, naquele limiar, se mistura. Uma cidade feita de bons limiares. Percorro seus caminhos com um olhar embevecido e curioso. Olhar de criança. Ela se extrapola a si mesma. Nunca pára de se criar. Imagino que tenha muitas pessoas e tanto mais esquinas. As vozes são rápidas, altas e gargalhadas. Elas carregam algo de interessante. Não consigo entender o quê, mas na minha imaginação, elas estão lá, aderidas ao seu cenário. Os cheiros são agudos - nada de meio-termo. Eles se encontram na minha frente, e perfuram o asfalto, as árvores, e as quinas rachadas do meio-fio. Chego a imaginar seus vôos entretidos, rachando aquele cimento cinza pra percorrer a matéria da cidade. É uma cidade de espaços, amplos, com pontos luminosos aqui e acolá. De manhã, ela se espreguiça toda, e estica seus braços pra fora dos seus domínios. Ela se derrama toda pela sua vizinhança, como se afagasse de leve a superfície que lhe foi atribuída. Passa a mão nos cabelos e suspira leve e satisfeita. A cidade sente a moleza da manhã e ri de si.
Imagino ter imaginado inúmeras vezes essa cidade. Na memória, essa cidade se solidifica e se decompõe, a cada oportunidade de olhar para fora. Seus penduricalhos tomam forma. Ela data de 1984, e segue nascendo por aí. Mais ou menos de dois em dois anos, depois de muito espairecer, ela ganha novamente o mapa. Espalha seus tentáculos e reabre sua temporada. "Nasceu!". A cada nascimento, posso imaginar ouvir uma música tranquila ao fundo, enquanto ouço vozes familiares, risadas de crianças e sinto o cheiro salgado de um mar azul e muito extenso. E ela chora um choro cheio de vontade, com gritos prolongados de quem inspira o primeiro ar nesse mundo. Esperneando pelos cômodos. Choro com gosto de leito fresco. Imagino seu nascimento, imagino que nasce a toda hora oportuna. Imagino nascer, quantas vezes forem boas e na medida, assim como eu.

1 comment:

Anonymous said...

acho que dá uma música...
gosto do espriguiçar da cidade...


beijocs!
fernanda