"É preciso entender que cada um verá coisas que ninguém jamais poderá ver. E que nelas residem as suas razões"
(Bernardo Carvalho, in Nove Noites)
Pulavam o carnaval. Rio de Janeiro. Fazia um sol de rachar, aquele calor que faz derreter até os fios de cabelo. O suor lhes escorria por detrás das orelhas e seguia pelo pescoço. A música era a mesma de sempre, mas o estampido da multidão era tão eufórico que renovava cada nota repetida, toda vez que era tocada pela banda que caminhava pelas ruas, já submersas no caos alegre da multidão. Tudo era muito colorido e os sorrisos, se não maliciosos, cheios de sincera satisfação pelo presente puro celebrado naqueles dias. O Rio de Janeiro brilhava de humanidade. A cada passo que davam, sentiam a felicidade de estarem ali e de terem sempre ali estado. O lugar pra se existir, definitivamente.
***
Rumava a um caminho estranho. De um outro lado - da vida, do mundo, do mínimo sentido - encontrava-se numa encruzilhada boa e plena de um sutil (e agudo) sentimento de futuro. Estava ali e o futuro se desfolhava em finas camadas a cada segundo. A encruzilhada se lhe mostrava tão frutífera quanto sem a menor recompensa: era unicamente o fato de estar nela que lhe impulsionava para adiante. Queria estar e queria se mover. Não havia como se decidir. Pela primeira vez em toda a sua vida, o futuro era o que menos lhe pertencia - saiu do engodo, finalmente! Curtia o vento gelado enquanto recebia as visitas queridas, fugidas do lugar onde talvez mais quisesse estar. Apesar de olhar com estranheza essa escolha tão efêmera de alguém que se desloca tão longamente para prestar-lhe uma visita breve, era exatamente isso que lhe aguçava ainda mais a certeza da encruzilhada. Depois de muito tempo achando saber do que se tratava, agora compreendia com mais clareza a idéia do devir, menos na razão do que na experiência.
1 comment:
gostei desse livro. em qualquer movimento que esteja, você fez (faz) falta no carnaval dessa tropicália.
saudades!
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