11.19.2004

Ar preso


Abriu a porta e viu que estava preso dentro das suas próprias impressões. Havia há pouco conhecido uma menina que lhe havia absorvido por completo. Ela escrevia palavras perfeitamente encadeadas e falava como quem suspira por alguma constatação muito importante e secreta que acabou de fazer. Ela se concentrava nela e parecia se movimentar através de pequenas explosões ao redor de si mesma. Tinha a leveza na mesma proporção da tristeza, que lhe davam o ar único.

Viu-se no quarto. Televisão, porta, janela e ventilador. Ligou o som, pôs alguma música para poder não-pensar. Mas, será que existe? Resolveu contentar-se com migalhas. Restos de poesia que ela deixava pelos caminhos, a cada passo que imprimia no chão de madeira. Poderia guardar as poeiras que lhe caíam, mas nunca deixar-se perceber. Conseguia tranformar-se em cadeira para não ser notado. Aos poucos, definhava na sua própria consciência. Gostaria de explodir, mas seus pedaços desmoronavam para dentro do seu estômago.

Deitou-se na cama. Olhou para o céu, que aparecia por entre os intervalos da perciana que cobria a janela, meio danificada com os anos. Prendeu a respiração e contou até 60. Um minuto! E ainda podia respirar. Teria que voltar no dia seguinte, e isto não estava nos seus planos. Confrontar-se com algo que, supunha, nunca conseguiria concretizar era angustiante. Tristeza inchada como uma bola de neve. Nem o sol que fazia do lado de fora conseguiria derreter. Preso dentro das suas reduzidas possibilidades, achou que sim. O encanto pode ser tanto um vício como uma asfixia. Preferiu escolher. Abriu a janela e sentiu o ar passar de leve pelo seu nariz. Talvez, quem sabe, agora conseguisse.

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